2.7.08

A linguagem mítica em Gênesis

A narrativa do início do livro do Gênesis é claramente mítica, e é completamente verdadeira. O mito não significa mentira, engano, falsidade e fantasia.

O mito é uma linguagem universal usada para revelar por figuras, símbolos e arquétipos aquilo que não se viu como ocorrência, mas que se sabe corresponder à verdade do que foi gerado.

Nossa tolice é tão grande que nos prende a narrativas de configuração e linguagem mítica de forma literal como se a fé só fosse fé se todas as coisas tiverem sido literais.

A Escritura tem todo tipo de linguagem. Começa com a mítica, entra na semi-histórica, adentra a histórica, se utiliza da simbólica, expressa a alegórica, a metafórica, e também a literal. Ora, se a Escritura se utiliza de todas essas linguagens, não faz sentido usar apenas a visão literal na hora de lê-la, se há outras formas de linguagem em uso no próprio texto. Cada texto tem que de ser lido e discernido conforme a sua linguagem. E a Escritura não inicia dizendo que linguagem está usando, apenas porque é obvio quando uma certa linguagem está sendo praticada.

Eu creio que a Terra foi habitada, milhões de anos, por muitas criaturas, antes da criação-surgimento do homem. Creio que houve muitas eras e ciclos de vida no chão que habitamos. Creio que a narrativa do Gênesis mostra o significado divino de todas as existências, e revela o lugar especialmente importante do homem na criação.

Creio que a “queda” aconteceu, e que o dialogo de Eva com a Serpente foi uma realidade, porém, a linguagem usada para nos contar algo que teve seu lugar muito mais na dimensão psicológica, é, própria e adequadamente, de natureza mítica.

Creio que tudo o que ali está dito é tão mais belo e verdadeiro quanto mais se lê o texto conforme a natureza de sua linguagem. Aliás, somente desse modo o texto deixa de parecer estória da carochinha. Lendo-o como mito ele cresce ainda mais em seu significado como representação não-jornalística da verdade, e que nem por não ser “jornalística” deixa de ser verdadeira.

O Gênesis apresenta o fenômeno do que nos aconteceu como espécie, e usa a única linguagem possível, em se tratando de coisas para as quais a consciência não tinha meios de perceber se não como linguagem fenomenológica.

As culturas dos povos, quase todas elas, são extremamente parecidas com a linguagem do Gênesis. O que apenas prova a realidade de que o Inconsciente Coletivo da Humanidade está saturado com a mesma verdade e com os mesmos conteúdos, variando apenas na forma do mito.

O modo mítico como o Gênesis relata a criação da consciência humana é, na minha pobre maneira de ver, o mais perfeito de todos. No entanto, a linguagem é mítica; e é a mais própria de todas as linguagens míticas.

Mito, portanto, não é o que não é, mas sim o que é; só que sendo contado de uma forma atemporal, não envelhecível, não necessitada de re-atualizações históricas freqüentes.

Você já imaginou se há quase quatro mil anos a Escritura contasse a criação do homem do modo como ela pode ter “de fato” acontecido? Quem entenderia o quê? Desse modo, a Escritura usa uma Linguagem Perene a fim de relatar aquilo que não seria jamais compreendido sem que a linguagem fosse mítica. Para os antigos era a única linguagem possível; e continua a ser a única possível para nós também.

Na realidade as pessoas não entram nesse assunto não é por medo de perderem a fé, mas por temor de serem “interpretadas” como tendo perdido a fé.

Ora, o Gênesis, em seu inicio, é mítico. A ressurreição de Jesus, todavia, não é narrada com linguagem mítica, mas histórica. Assim, deve-se ler o Gênesis conforme a linguagem proposta, e os Evangelhos, conforme a linguagem histórica narrativa com a qual ele está carregado.

Com isto lhe digo o seguinte: Sei que Adão caiu em pecado e transgressão, embora não saiba os detalhes históricos narrativos desse acontecimento, visto que a linguagem utilizada me permite saber o que houve, mas não me detalha como foi—exceto como narrativa de natureza mítica. Já a ressurreição de Jesus, é tanto histórica quanto também é narrada em linguagem histórica, sendo, por parte de qualquer um, uma grande violência dizer que se trata de mito, visto que, para mim, é desrespeito para com a intenção, o estilo e a objetividade narrativa da história.

Ou seja: a realidade é o que interessa, não a linguagem!

E qual é a realidade?

Somos todos herdeiros de Adão segundo o pecado; e, em Cristo, somos agora herdeiros de toda Graça. Ora, isto sim é realidade!

colaboração: Beto Ramos

5 comentários:

Marcos David Muhlpointner disse...

Não questiono se o mito significa verdade ou mentira. Minha dúvida é: um relato mitológico é feito com personagens reais ou não?
Já que todas essas linguagens estão presentes no texto bíblico, quando o interpretamos qual delas devemos usar? Explico melhor. A morte que entrou no mundo depois do pecado adâmico foi relatada em qual linguagem: mítica, semi-histórica, histórica, simbólica, alegórica, metafórica ou literal? O resgate da morte por Jesus Cristo deve ser interpretado em qual estilo literário?

E por acaso a consciência tem como entender o fato de um único homem carregar sozinho o pecado da humanidade, expiá-lo e ainda ressuscitar dentre os mortos? Então os evangelistas também deveriam ter usado de uma linguagem mitológica para descrever a vida de Jesus?

Até mais, Marcos.

Anônimo disse...

Nõ concordo 100% com o texto, mas ótima abordagem. Parabéns pela referência.

Estou favoritando seu blo no meu.

Abraço!

Unknown disse...

É pena que uma pessoa com a influência do Caio Fábio, com opiniões desse tipo, esteja contribuindo para o crescente descrédito em relação à Palavra de Deus.

Seguindo o raciocínio dele, toda a Bíblia pode ser incluída na categoria de mito, afinal, qual o critério para determinar que a ressurreição de Cristo é história e o relato da criação é mito? Isso é assim porque o Caio Fábio disse? E se um outro teólogo afirmar justamente o contrário? Quem estará com a razão?

Prefiro ficar com Jesus que em Mateus 19:4 afirmou que Deus, o Criador, no princípio fez Adão e Eva. Jesus não mente, nem se engana. NEle eu posso confiar!

Anônimo disse...

Gostei da abordagem, pois realmente a Bíblia é realmente um livro literário. Vejo neste artigo, que Caio Fábio não está desacreditando a Bíblia, e muito menos desvalorizando o relato primitivo de Genêsis. Simplesmente ele fala de um ''colorido'' no texto, algo que realça ou destaca ainda mais o fato. Grandes reis, quando venciam batalhas, nos antigos anais eles o glorificavam de tal forma que parece ser o mais poderoso da terra.
No A.T., quando se fala de Deus, como que ''ouvindo, estendendo a mão, arrependido, triste, alegre, etc'', também está utilizando um antropomorfismo e um antropopatismo, porque se fossemos realmente descrever Deus da forma como realmente o é, creio que jamais poderíamos sabê-lo a respeito.

Concluindo, uma ótima abordagem, sem dar descrédito a Palavra de Deus.

um abraço a todos.

Blog da K disse...

muito interessante a correlação com a visão arquetípica do mito. De fato, a Biblia é riquíssima em conteúdos arquetípicos, que não deixam de ser verdadeiros e reais num sentido subjetivo geral para toda a humanidade e ao mesmo tempo traz consigo uma leitura pessoal e única conforme o desenvolvimento de cada um.
A Arca de Noé, por exemplo, mesmo que localizada geograficamente e já comprovada sua existência pela ciência, não deixa de trazer uma imagem arquetípica em inúmeros povos primitivos, nos quais contam de uma ou outra maneira, uma história na qual um homem e sua família foram os únicos sobreviventes no mundo imerso em água.
A ciência também comprova que a memória humana tende a distorcer a verdade por causa das funcões emocionais e ênfases pessoais de cada indivíduo. Entretanto, a essência é verdadeira.
Ou seja, ainda bem que Deus não se limita, conforme muitos de nós esperamos, à linguagem literal. A Verdade é Verdade independente da linguagem utilizada para tal. (até rimou, q legal! :) )

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