Num artigo recente para o “Boston Globe” (em inglês, acesso gratuito), Jan Freeman comenta a queda em desgraça do ponto-e-vírgula, que não vem de hoje. Segundo um estudo restrito à língua inglesa, sua incidência teria despencado de 68,1 para 17,7 (por mil palavras) entre os séculos 18 e 19. O século 20 não é mencionado, mas suponho que um levantamento semelhante encontraria esse sinal de pontuação – “que indica pausa mais forte que a da vírgula e menos que a do ponto”, segundo o Houaiss – chegando perto de encostar no zero à medida que nos aproximássemos do 21.
Kurt Vonnegut, que chamava o ponto-e-vírgula de “travesti hermafrodita”, foi apenas um dos escritores que ajudaram a difamá-lo como figurinha pedante, esnobe, cricri, desprovida de sentido e até, na formulação machista de um de seus detratores, mariquinhas.
Acho um exagero. Embora procure usar o ponto-e-vírgula com a maior parcimônia possível – basicamente em enumerações em que um ou mais elementos contenham vírgulas internas, caso em que ele é indispensável à clareza – e não o recomende efusivamente a quem está em busca de um estilo, prefiro pensar nele como mais um recurso no arsenal da língua.
Se até a insuportável mesóclise deve ter – coisa rara, mas tese é tese – o seu lugar, não convém fazer como aquele crítico diante da rima e condenar o ponto-e-vírgula de forma inapelável. Recursos desgastados existem para que escritores de talento os reabilitem.
Sérgio Rodrigues, no blog Todoprosa.
23.8.08
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