Nenhum indicador sobre a qualidade de ensino tem tanto peso e repercussão quanto o Pisa, sigla em inglês para programa internacional de aferição de estudantes, que está sob os cuidados do físico alemão Andreas Schleicher, 44 anos. Há oito, ele é o responsável pela aplicação da prova, uma iniciativa da OCDE (organização que reúne as trinta nações mais desenvolvidas do mundo).
Na comparação com 57 países, o Brasil sempre aparece entre os últimos colocados em todas as disciplinas. Situação que Schleicher conhece não apenas por estatísticas mas por suas viagens ao Brasil. Desde que assumiu o cargo, ele já visitou escolas em mais de 100 países – rotina que o mantém sempre longe de Paris, onde mora com a mulher e os três filhos.
Os brasileiros apareceram, mais uma vez, entre os piores estudantes do mundo nos últimos rankings de ensino da OCDE. O que o senhor descobriu ao analisar as provas desses estudantes?
Elas não deixam dúvida quanto ao tipo de aluno que o Brasil forma hoje em escolas públicas e particulares. São estudantes que demonstram certa habilidade para decorar a matéria, mas se paralisam quando precisam estabelecer qualquer relação entre o que aprenderam na sala de aula e o mundo real. Esse é um diagnóstico grave. Em um momento em que se valoriza a capacidade de análise e síntese, os brasileiros são ensinados na escola a reproduzir conteúdos quilométricos sem muita utilidade prática. Enquanto o Brasil foca no irrelevante, os países que oferecem bom ensino já entenderam que uma sociedade moderna precisa contar com pessoas de mente mais flexível. Elas devem ser capazes de raciocinar sobre questões das quais jamais ouviram falar – no exato instante em que se apresentam.
Por que a China e outros países em desenvolvimento estão à frente do Brasil?
Antes de tudo, por um fator que pode soar abstrato e até demagógico, mas é bastante concreto: são países que decidiram colocar a educação em primeiro lugar. Isso se traduz em medidas bem práticas implantadas por alguns deles. Uma das mais eficazes diz respeito à criação de incentivos para tornar a carreira de professor atraente, de modo que passasse a ser escolhida pelos estudantes mais talentosos. Essa é uma realidade bem longínqua para muitos dos países em desenvolvimento, como o Brasil.
O fato de o salário do professor nesses países ser maior é decisivo para atrair os melhores alunos para as faculdades de pedagogia?
Diria que esse é apenas um dos fatores – mas não o principal. O que faz estudantes brilhantes optar pela profissão de professor é, muito mais do que um salário acima da média, um ambiente em que eles têm o talento reconhecido e a capacidade intelectual estimulada. Além disso, são dadas a eles várias opções de carreira. Os professores podem se tornar diretores, como em qualquer outro país, mas também almejar diferentes funções longe da burocracia de uma escola: alguns atuam como uma espécie de consultor de ensino, com a tarefa de treinar os menos experientes, outros recebem a missão de desenvolver e adaptar currículos. O fundamental para eles é saber que terão mais de uma boa perspectiva nos próximos vinte anos.
Em geral, esses cargos que o senhor citou não existem nas escolas brasileiras…
São funções típicas de países voltados para a idéia de proporcionar ambientes favoráveis ao aprendizado. Essa obsessão se vê o tempo todo no dia-a-dia de tais países. Durante uma viagem à Coréia do Sul, presenciei uma cena emblemática da preocupação das pessoas com o que se passa na sala de aula. Enquanto os estudantes faziam a prova para o ingresso na universidade, as principais avenidas de Seul ficaram fechadas para o tráfego. Quando perguntei ao funcionário do Ministério da Educação a razão daquilo, ele respondeu com naturalidade: "Estudo exige silêncio. Que os motoristas esperem".
A que o senhor atribui esse atraso?
Os professores ainda conduzem suas aulas guiados muito mais pelas próprias ideologias do que por conhecimento científico. Na prática, eles escolhem seguir linhas pedagógicas motivados por nada além de crenças pessoais e deixam de enxergar aquilo que as pesquisas apontam como verdadeiramente eficaz. Fico perplexo com o fato de a neurociência, área que já permite observar o cérebro diante de diferentes desafios intelectuais, ser tão ignorada pelos educadores. Pior ainda: os educadores são os maiores inimigos dessa ciência. Eles perdem um tempo precioso ao repudiá-la.
Como a neurociência pode ajudar na escola?
Caso consultassem os neurocientistas, os pedagogos já saberiam, por exemplo, algo bem básico sobre o aprendizado de uma língua estrangeira: ele demanda uma imersão no idioma – impossível de ser alcançada com aulas esporádicas ou curtas demais, como é tão freqüente nas escolas. Essas aulas têm efeito próximo a zero, como já foi comprovado por meio da visualização da atividade cerebral. E o que fazem as escolas diante disso? Nada. A educação funciona hoje como a medicina 150 anos atrás.
fonte: Veja [via Notas de Mauricio C. Serafim]
3.8.08
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário