5.9.08

Confesso que bebi

Burocracia, esse sistema de poder estatal, fascista por princípio, nazista na execução, decidiu, aqui no Rio, que o cidadão que não bebe deve ser punido por causa do cidadão que bebe. Quer dizer, eu, que bebo pouco, só o que comporto, vou ser punido pelo Jaguar (Confesso que Bebi), apologista da vinhaça, do raposear, da libação, da borracheira, da carraspana, enfim, da boca líquida – eia, Baco!

E pois, deram os burocratas ao guardinha da esquina, semi-alfabetizado pela educação (se os universitários e os formadores de opinião são o que são, imagina o guarda), fraco pela desnutrição, ideologizado pela corrupção lá de cima ("Ilegal, e daí?"), deram a ele poder de fogo absoluto. Um bafômetro (coisa nojenta no nome e na prática) e otoridade para deter qualquer automobilista, qualquer um, aquilo que os franceses chamam de todo mundo e seu pai. E tomar, do que se recusar a pagar a pequena multa de novecentos e quarenta e cinco reais e perder a carteira, se não tiver 100 trocados. Pois, humano como qualquer Cacciola, o guardinha vai preferir resolver o negócio in loco. E não esperem eu dizer que nem todo guarda leva o seu, que há exceções, como escrevem, precavidamente, meus colegas de profissão – entre os quais também há exceções. Na minha precária experiência ninguém é honesto às 3 da manhã ganhando pouco e podendo muito.

Ah, e repito: tenho imenso desagrado por slogans como essa tolerância zero, que na verdade quer dizer intolerância 100. Como tenho pelo constante lulismo semi-árido, que, sem demagogia, é um fértil semi-úmido.

Então estamos assim: sou médico, tomei duas taças de vinho com uns amigos, e mesmo se não tomei, posso ser detido na esquina pra que me testem e eu me explique enquanto, à minha espera, um cara inteiramente sóbrio morre do coração.

E paro por aqui, deixando uma sujestão. Por que apenas não proibir os carros de, entre as 11 da noite e as 5 da manhã, andar a mais de 50 quilômetros? Fora dessas horas não tenho notícia de bêbado dirigindo adoidado. E nessas horas há pouco tráfego. Limitado a 50 quilômetros o cidadão não se sentirá cerceado. Estará indo mais depressa do que na "hora do movimento". E atravessará a cidade em meia hora.

Mas, e onde é que fica o poder do "estado"?

Millôr Fernandes, na Veja.
colaboração: Fábio Davidson

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