A AUSÊNCIA DEFINITIVA de quem está vivo, e bem, e apenas levando outra existência na qual não cabemos, esta é a agulhada fria, a certeza de ter a companhia de uma cidade inteira de novas possibilidades, amizades, amores menos ariscos. Uma cidade viva e pulsante, que deslumbra e ofende na mesma proporção com que cresce.
É sentir-se traído pelo silêncio de um só.
Que arma poderosa é o silêncio, em um tempo definido por sua obscena velocidade, facilidade de transmissão de dados, distâncias encurtadas entre continentes e toda a sucessão de baboseiras com que nos engambelam para dizer que chegamos lá. Lá é o "futuro-Jetsons", tudo o que esperávamos um dia ver diante de olhos incrédulos, mesmo na era dos videogames Atari, à época muito mais significativos para mim e para os moleques do subúrbio da Ilha do Governador do que o já longínquo primeiro passo do americano na Lua.
Mas eu falava de silêncio. Como é tão besta e ao mesmo tempo fulminante o tiro do torpedo, do SMS não respondido; a seqüência de recados hesitantes deixados numa secretária eletrônica que fará ruído de outro lado -e é isto que avacalha o coração urbano de quem busca a resposta ausente. Por vezes é algum amigo que acaba de morrer e, por um lapso, (amoroso, doloroso) ligamos, esquecidos de que não há porquê convidá-lo ao churrasco; por mais furão que o sujeito pudesse ter sido em vida, desta vez ele não aparecerá por motivo realmente lamentável; nada de suas lorotas e rolos à Barão de Munchausen que nos entretinham e recompensavam aquela ausência com a improbabilidade divertida das histórias.
E quando somos nós que ignoramos a mensagem? Se ler um jornal de cabo a rabo e lamentar que o silêncio das autoridades (risos) desdenha da educação, da segurança e da saúde, para mencionar apenas a base mais esdrúxula do abandono de um povo; hipoteticamente -apenas para dar um leitmotiv ao esquecimento afetivo-, e se ler jornal ainda mover a capacidade de nos fazer lamentar tudo tão profundamente que, por isso, esqueçamos de enviar sinal de fumaça a amigo ou afeto mais chegado? E se o mundo nos distrair a esse ponto, que é de nós? Culpa conectada a três megas, ansiedade social junto ao combo TV-web-fone. Tentador.
Rostos e fachadas de prédios que costumamos admirar não envelhecem; somem, tornam-se condomínios. Dão-nos assim a liberdade para reconstruí-los na mente conforme quisermos. Ou, em nossa maneira resignada, de nos assumir agora do outro lado, o do fogo silencioso na guerra que transforma os laços -urbanos, afetivos- em puro pó. Laços são material de pano fraco, jamais deveriam designar relações duradouras.
Chorar a fita desatada, desfiada? Melhor prestar bem atenção em quem vamos votar. Amores e amigos poderão desaparecer de nós sempre que nos tornarmos obsoletos em sua história de vida. Mas o candidato a quebrar o silêncio covarde da cidade que assumir, este deveremos perseguir como amantes obcecados, implacáveis, cobrando que nos diga tudo o que faz, quando faz e quanto gasta. E ai dos vitoriosos que não nos paguem a eleição com o respeito de respostas dignas. Porque aí haverá quebra-quebra, haverá gritaria, de "mulher-cidade" traída.
Desconfie, senhor candidato, do silêncio que parece acatar promessas vazias. Não é todo mundo que consegue desaparecer numa cidade grande. Especialmente numa cidade traída.
Cecilia Giannetti
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20.9.08
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