12.10.08

A(r)mando ao próximo

Como bem sabemos, muitos são os modos de se armar ao próximo. Agora, no entanto, falarei sobre um tipo específico de armação, ocorrida especialmente em algumas comunidades cristãs ditas alternativas.

Em tempos de internet, aldeia global, tribalizações e afins, surgem as mais diferentes igrejas para os mais diferentes estilos. Cada uma delas, em geral, tentando abarcar parcelas da população que até então haviam sido deixadas de lado pelas igrejas tradicionais - ou, no mínimo, que sofriam algum tipo de discriminação ao tentar fazer parte da membresia.

Assim, com uma proposta inovadora, no sentido de abrir-se aos até então excluídos, muitas destas igrejas cresceram e se espalharam pelo país. Alicerçados sobre o princípio de não fazer acepção de pessoas, tais comunidades representaram um refúgio àqueles eternos “deslocados”, de modo que a forte identificação ocorrida entre eles resultou num maior fortalecimento e especificação do grupo enquanto tal.

No entanto, se, por um lado, tais comunidades se caracterizavam pela inclusividade ao voltarem-se para os excluídos, por outro, tornavam-se exclusivistas, priorizando “os excluídos” sobre os demais. Em outras palavras, todos e especialmente os “deslocados” eram bem-vindos. Até então, nada de mais, afinal, sempre que se elegem alguns aspectos, coisas ou pessoas, outros tantos aspectos, coisas ou pessoas ficam de fora.

Curiosamente, porém, pelo fato de algumas destas comunidades terem uma identidade tão específica, tão determinada, enfatizando tanto a não acepção daquele tipo específico de pessoas, um outro modo de exclusão começou a acontecer. Em lugar de se priorizar um tipo determinado de pessoas, acompanhando-as, cuidando-as, crescendo com elas, passou-se a priorizar o tipo determinado da pessoa. Ou seja, a pessoa seria acompanhada, cuidada e se cresceria com ela não por um tempo indefinido, mas somente pelo tempo em que ela permanecesse fiel ao estilo do grupo. A partir do momento em que ela começasse a mudar, a compreender as coisas de um outro modo, e, conseqüentemente, a agir de um outro modo, pronto, sua exclusão torna-se-ia apenas uma questão de tempo. Exclusão essa muitas vezes hipocritamente denominada “auto-exclusão”.

Comunidades assim dão provas de sua imaturidade e de sua estreiteza, reduzindo o Reino, que deve poder alcançar todas as pessoas - já que as boas-novas são para todos - , a um pequeno grupo de eleitos. Comunidades assim mostram como uma boa intenção inicial (incluir especificamente os excluídos) pode ter desdobramentos nefastos, excluindo aquele que não mais se entende como um excluído. Comunidades assim são incapazes de compreender a vida e o existir humanos como processo, como algo sempre em transformação, por grande ou pequena que seja.

O “diferente”, o “deslocado” que tantas vezes foi banido, deixado de lado, torna-se agora aquele que abandona, que voltas as costas àquele que ousa não ser mais igual a ele. No final das contas, a comunidade oriunda do sofrimento e da exclusão dos demais grupos acaba impingindo o mesmo sofrimento e exclusão que tanto condenou sobre todos aqueles que, por sorte ou azar, acabaram mudando. E se isso não é fazer acepção de pessoas, então eu já não sei mais o que é; se isso não é um triste modo de se armar ao próximo, então é melhor que nem se tente amá-lo.

Camila Hochmüller, no blog Metamorfoseantemente.

Um comentário:

Ane Patrícia de Mira disse...

Realmente, essa é uma verdade que poucas pessoas param para analisar. Creio que a igreja institucionalizada tem sempre a tendência à exclusão. Seu início pode até ter um propósito mais nobre de resgate dos excluídos, mas ela, por si só, passa a criar suas regras para aceitação e manutenção do indivíduo em suas fileiras. Como membro de uma igreja-instituição, sei bem o que é "não fazer parte".

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