25.10.08

Danço, logo existo

O Existencialismo se ocupa primordialmente da existência humana, sempre em relação com o outro, pois a condição importante do existir é relacionar-se, e ainda, o ser humano só pode de fato ser compreendido por ele mesmo através de uma experiência direta do seu ser no mundo. E a existência é uma experiência singular, particular, isto é, cada existência é singular (sou eu quem vive), intransferível (posso comunicá-la, mas o outro não poderá viver a mesma experiência) e original.

Como a existência, desde o nascimento, é vista em relação (com o outro, o mundo), pressupõe que todo ato humano visa um objeto, não ocorre num vazio. “Toda consciência é consciência de alguma coisa”. A subjetividade está na consciência e a consciência é como eu vivo, ela me doa uma unicidade. Se eu reconheço esta minha subjetividade, também sei de minha necessidade e acabo descobrindo a intencionalidade de minha consciência. Portanto “a chegada de alguma coisa à consciência, parece obedecer a um sentido oculto, a um movimento de escolha que é ditado pelo próprio organismo”. A intencionalidade me mobiliza para uma ação, para uma direção, para uma escolha. E nesta intenção se encontra desejo, vontade e liberdade. É na confrontação de minhas necessidades com as exigências do meio que eu defino o que quero e me dou conta também dos limites e da responsabilidade.

O ato de assumir o ser caracteriza a realidade humana, existir é assumir o ser, portanto a realidade humana é sempre um eu que compreende a si próprio fazendo-se humano por tal característica. A necessidade de escolha deve sempre se impor, ou seja, deve sempre estar dentro dos meus projetos. E cada ser humano é um projeto, cada ser está constantemente se fazendo, se construindo.

Na prática dançante, quer nas aulas nas academias ou nos eventos –bailes – onde se experimenta essa prática, se percebe como o sujeito constrói o seu projeto existencial, como ele é construído, como se encaminha e como vai prosseguir. Confronta o que ele quer, projeta e idealiza com aquilo que ele pode, seus limites e do meio para atingir. A dança é relacional, possui uma intencionalidade, nos mobiliza para algo, para uma direção e escolha. Nela os elementos desejo, vontade e liberdade coexistem.

Nós psicólogos sustentamos a crença de que as pessoas podem ser agentes de sua própria saúde e de seus processos de crescimento, encontrando sentidos que lhes são pessoalmente relevantes e significativos no que fazem. E como em psicologia se diz existir semelhanças entre realidades interiores e sua expressão, os diferentes recursos artísticos podem ser usados para expandir essa realidade interior da pessoa, e a dança é uma delas. E baseando na premissa de que somos capazes de escolher e criar o nosso próprio destino, mesmo quando as opções reais são limitadas, a arte de dançar contribui para a constante expansão da consciência e facilita o crescimento da pessoa.

A arte parece proporcionar pela sua própria natureza a expressão do “eu”, algo tão intensamente buscado no processo terapêutico. Há quem defina a arte como “um fenômeno da alma”. Por meio desta encontramos a possibilidade da expansão dos fenômenos internos, pois recebemos a confirmação usual de nossa criação como meio para a conscientização. Através dela podemos expressar sentimentos e viver experiências que na vida cotidiana seriam ameaçadoras ou perigosas. Vivendo os vários recursos artísticos, aqui quero me referir a dança, pode surgir novo conhecimento sobre si, sobre o outro, o mundo e novas possibilidades existenciais para o individuo.

Quantos sentimentos são liberados através do movimento, da respiração, do contato físico, proporcionado com a dança, se tornando o porta voz daquilo que tanto se movimenta no nosso interior.

A arte da dança está ligada ao fazer, e nos tira da inércia. Não um fazer por fazer, mas um fazer que revela o ser.

O processo da dança promove novas integrações interiores e amplia a possibilidade de crescimento. A dança, porém alcança um sentido pleno na relação. O ser humano é resultado, fruto da relação, assim sendo, precisamos dar um sentido relacional ao que produzimos –dançar. O outro, passa ser a caixa de ressonância, o espelho para o meu aprendizado e desenvolvimento técnico e pessoal.

Dançar é expressar e criar relações, significados, novas ordenações, estar sempre reformulando e refrescando a consciência de si, dos outros, do mundo. Na dança, sente-se que se ganha uma sensação ampliada de expansão interior, de estruturação, assim como um sentimento mais profundo de contato consigo mesmo, com a natureza e com o mundo ao seu redor.

A arte de dançar pode ser um meio poderoso de mobilizar a totalidade do ser de uma pessoa, pois envolve os níveis sensório-motor, emocional, cognitivo e intuitivo de funcionamento, isto é toda nossa existência. Pode-se, portanto afirmar que a dança é existencial, e se danço, logo existo.

Oxalá cada um de nós possa buscar através de algum recurso artístico – em especial a dança - um meio poderoso para o desenvolvimento integral de nossa pessoa.

Afonso Vieira, no blog Notas de Mauricio C. Serafim.

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