12.10.08

O diabo veste faixa

O Tinhoso, coitadinho, não é tão feio quanto o pintam. Ele vive, isto sim, desde os abismos do Tempo, uma séria crise de imagem, da qual nem o marqueteiro do Geraldinho Alckmin – filiado à Faculdade Joseph Goebbels de Pedagogia – seria capaz de livrá-lo.

De mais a mais, Sua Santidade, desafeto figadal, vive falando dele por aí, em suas prédicas dominicais – e é justo reconhecer que alemães como o papa Bento conhecem bastante da arte dos malefícios. Os evangélicos também têm ojeriza pelo Sulfuroso e acusam sistematicamente os atabaques do candomblé de serem os sinistros arautos do Coisa Ruim. Quer dizer: o pobre Diabo, símbolo de tudo o que é malsão, maldito e maligno, no entanto só apanha, só leva na cabeça.

Professor do Departamento de Literatura Inglesa da Universidade da Califórnia em Los Angeles, Henry Ansgar Kelly resgata o incompreendido Satanás do lodaçal em que se atolou, graças a uma biografia não-autorizada, mas bastante lisonjeira (Satã, Uma Biografia; Editora Globo, 385 págs., R$ 40). Se até Henry Kissinger já teve escritor dando banho de Limpol em seu currículo, por que só o Belzebu teria de arcar com a má fama?

O professor Kelly revirou os textos sagrados e não encontrou um só versículo do Velho Testamento em que o Chifrudo apareça como implacável inimigo do Todo-Poderoso. Nada disso: os tais demônios citados nas Escrituras eram como que zelosos funcionários públicos da Divindade, encarregados de patrulhar a Terra e testar a virtude dos homens “com a devida autorização de Deus”. Ou seja, são promotores públicos celestiais sempre às voltas com esses genuínos diabinhos que são os seres humanos. Pelo Ser Supremo é que eles metem a mão na massa e entram no jogo sujo. O mesmo que José Dirceu fazia em relação a Lula.

A fofoca escatológica que fulmina Lúcifer, Anjo Caído, é que teria forjado, da Idade Média para cá (não por acaso, a Idade das Trevas), o ícone aterrorizante do Medonho, assim como a presunção teológica de que o Príncipe da Noite possui a manha de encarnar nos mortais mais incautos, e nos já mal-intencionados, dissimulando assim suas cruéis malfeitorias. Tem gente crente que Hugo Chávez e Evo Morales são fachadas do Tição, do Bode Preto – e olhe aí, de novo, a raiz do preconceito.

Salvar a folha corrida do Cão é missão e tanto, nesse momento histórico em que a religião é sementeira de ódios, não da tolerância. Pelo menos que ninguém fique achando que foi culpa do Satã aquele rumoroso episódio da maçã no Paraíso. Eva é que estava louca para provar o fruto.

fonte: CartaCapital [via blog A igreja somu nozes]

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