11.10.08

Tudo é literatura

Por que escrever, como escrever, para quem escrever? Essas perguntas estão por trás da cada frase do novo livro do israelense Amós Oz, sempre lembrado para o Nobel. Para esse verdadeiro jogo de espelhos em que não se distingue o que é "real" do que é imaginado, Oz escolheu como personagem principal um escritor, um alter ego, próximo da sua imagem e semelhança.


A história de "Rimas da Vida e da Morte" se passa em 8 horas - pouco mais do que o tempo real para se ler o livro. Começa com o escritor numa lanchonete, se preparando para uma mesa de lançamento de seu novo livro. Enquanto pensa no que vai dizer, volta seu olhar para as pessoas à sua volta. Instantaneamente, como se a imaginação fosse um poder inescapável, transforma em personagens dois sujeitos que conversam numa mesa. Ficamos "sabendo" que são um capanga de gângsteres e seu ajudante, e que conversam sobre um homem muito rico que está num leito de hospital, à beira da morte.

Da mesma forma, ao olhar para a sensual garçonete que o atende, o escritor a dota de nome e história - ela vira um pequeno conto dentro do romance. E então acompanhamos Riki (seu "nome") na aventura de amor mal resolvida com os goleiro reserva de um time de futebol, que acaba abandonando-a por Lucy, segundo lugar no concurso local de Miss.

Quando chega ao lançamento de seu livro, acompanhado desses personagens, senta-se à mesa e ouve uma atriz de 35 anos ler, com devoção, um trecho de seu livro. Ouve, em seguida, o desenrolar hermético de argumentos de um crítico literário. As palavras do crítico ficam ao fundo, enquanto ele busca, na platéia, novos personagens. "Encontra" um desempregado que vive com a mãe paralítica; uma solteirona amante da cultura com "C" maiúscula; um jovem e atormentado poeta. Todos passam a fazer, naturalmente, parte da estrutura do livro que temos nas mãos - o próprio crítico, um tanto satirizado, torna-se personagem do escritor "dentro" do escritor.

A escrita precisa de Amós Oz parece mover-se em duas direções: de um lado, o enfado com os clichês do mundo literário, a "inspiração", o mundo de palestras, leituras, autógrafos, críticas literárias. De outro, o entusiasmo de criar histórias a partir do terreno aparentemente infértil desse mesmo mundo. Um impulso nasce do outro: o enfado propicia a fuga pela imaginação. Nesse sentido, Rimas da Vida e da Morte pode ser lido como um elaborado exercício de ironia e auto-ironia, e também como uma declaração de amor aos mecanismos da literatura.

Numa entrevista a um jornal israelense, Oz lembrou de uma história exemplar de Tchekov: numa reunião entre amigos, o grande escritor teria dito que poderia escrever sobre qualquer coisa. Alguém colocou um cinzeiro debaixo de seu nariz. Sobre isso você pode escrever?, perguntou, desafiador. Tchekov levantou-se, fechou-se numa sala e voltou em uma hora com um conto sobre um cinzeiro debaixo do braço.

Tudo é literatura, se assim o quisermos, parece dizer Oz. O escritor, nascido em 1939, também um conhecido militante de esquerda, que defende a criação de um estado palestino, revira assim o surrealismo de Pirandello e seus personagens à procura de um autor. Como na cena central, em que descreve, nos mínimos detalhes, o ato sexual entre seu alter ego e a frágil atriz que lera um trecho do livro (esse livro?), ato esse que nunca sabemos se "aconteceu" de fato ou foi imaginado, cria curiosos e possíveis trechos de vida, que se lançam das páginas e envolvem o leitor. Um leitor que, à essa altura, talvez tenha também se tornado personagem.

fonte: UOL

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