30.11.08

Boca desmordaçada e fechada

Recentemente, evangélicos de diversas denominações reuniram-se com o Presidente Lula no Hilton Hotel-Morumbi, em São Paulo. O motivo de Lula, segundo alguns jornalistas, teria sido eleitoral. Diante da perda de eleitores por parte da sua candidata à prefeitura da capital paulista, no primeiro turno das eleições, Lula resolveu fazer um “carinho” para este crescente segmento da sociedade.

Os batistas presentes não perderam a oportunidade de entregar uma Bíblia ao presidente. A entrega de Bíblia a autoridades políticas é um forte símbolo da postura político-religiosa protestante. Vale lembrar que o status dado por Lutero à Bíblia foi essencialmente de natureza política. Ao elevá-la, ele o fez visando diminuir o poder dos bispos católicos nas definições doutrinárias da Igreja.

Diga-se de passagem, não há indícios no pensamento de Lutero de qualquer semente de bibliolatria. Conquanto tenha grafado a famosa “Sola Scriptura”, criticava fortemente, por exemplo, a canonização da Carta de Tiago e o Apocalipse. Além disso, influenciado como poucos pela carta de Paulo aos Romanos, ele sabia que Bibliolatria fazia parte da mesma lista de desvios que, por exemplo, as práticas homossexuais nela descritas.

Além da entrega de Bíblia, os presentes manifestaram seus sentimentos e pensamentos em relação ao PL 122/06, conhecido como “Lei da homofobia”. Segundo eles, o referido projeto apresentaria dois problemas: o primeiro, refere-se à mordaça que, uma vez sancionada, a referida lei colocaria em suas bocas; o segundo, refere-se ao fato da concepção de expressão da sexualidade, presente no PL, contrariar suas crenças sobre relacionamentos homossexuais.

Em relação à primeira – a mordaça – como paladinos da liberdade de consciência e expressão, não haveria como conformarem-se à possibilidade de não mais poderem emitir opinião fundamentada na Bíblia sobre o assunto. Impedi-los de se manifestarem tendo a Bíblia como autoridade seria um retrocesso, pois o Brasil voltaria “a ser clerical” (lembra-se do fundamento político da reforma luterana?).

Curiosamente, mesmo sem mordaça, raramente publica-se manifestação de batistas sobre assuntos relevantes da vida social brasileira, senão vejamos:

a) Qual foi a última vez que nos manifestamos contra as causas sócio-econômicas da prostituição que destrói a vida de milhares de mulheres?

b) Qual foi a última vez que abrimos a boca “desamordaçada” para falar dos abusos sexuais – inclusive prática de incesto - dentro de famílias cujos componentes são obrigados a dormir amontoados em cubículos ou tomar banho sem privacidade por falta de habitação digna?

c) Qual foi a última vez que abrimos nossa boca “desamordaçada” para falar contra o divórcio provocado pelo fato de casais entrarem em estado de tensão por não terem dinheiro para, por exemplo, lazer, alimentação ou vestuário; por não terem com quem deixar os filhos para trabalhar; por serem usuários de péssimos transportes públicos que lhes estressa, roubando seu tempo e energia?

d) Qual tem sido nosso discurso em relação à violência praticada contra os homossexuais, a despeito das declarações que fazemos de amor a eles?

e) Quantas linhas foram produzidas em páginas de mídia evangélica expressando nosso pensamento sobre os milhares de assassinatos especificamente porque as vítimas são homossexuais?

Quanto ao segundo – concepção da expressão da sexualidade – não há muito a dizer. A hermenêutica e postura adotadas são específicas para este assunto. Como, segundo Pascal, “o coração tem razões que a própria razão desconhece”, dificilmente as divergências neste assunto serão equacionadas desprovidas de emoção.

Ainda que se discutam, subjetivamente, as razões do surgimento da lei, o que chama minha atenção é a absoluta ausência de soluções oriundas dos contrários a ela. Não li uma saída apontada por evangélico para o elevado índice de pessoas que são prejudicadas em sua vida profissional, familiar, social em geral, nem para o número elevado de pessoas assassinadas especificamente pela orientação sexual. Sendo contrários a uma legislação que inibe a discriminação e suas maléficas conseqüências, que alternativa não utópica apresentamos?

Preocupamo-nos com possíveis manifestações homoafetivas em público, que a lei favoreceria, e nos amordaçamos diante da visível e real manifestação pública de violência contra este segmento da sociedade. A reação à idéia de amparo legal ao homossexual é tal que, neste caso, parece-me, preferimos a violência ao afeto.

É indiscutível que a homossexualidade, segundo Paulo, seria um dos efeitos colaterais maléficos da escolha feita pela humanidade de negar-se a adorar a Deus. O que discuto, entretanto, é o fato de, sendo imensa a lista de tais efeitos, descrita em Romanos 1, (diversos deles presentes na vida de ilustres membros e líderes de nossas igrejas e denominação), a questão homossexual receba tratamento tão diferenciado e emocional.

Na primeira abordagem que fiz sobre o assunto neste Jornal, defendi que, se há pontos na lei que precisam ser aperfeiçoados, que apresentemos quais são e as alternativas.

O que não podemos é, por causa de possíveis efeitos colaterais indesejáveis da lei, simplesmente lutar contra a íntegra do projeto, sem considerar a crueldade feita contra este segmento, semelhante à sofrida outrora por nós batistas, quando também pertencíamos ao vagão de quinta classe da sociedade brasileira.

Edvar Gimenes de Oliveira, no blog Coisas da minha vida.

Um comentário:

Anônimo disse...

Na minha igreja o líder tem visão de um Deus Pai, por exemplo:
- Existem muitos casais heteros em situação irregular, por exemplo uma parte se converteu, então, ele permite que ela ou ele seja batizada, a pessoa, depois ela tem duas opções: ou ganha seu marido, ou começa a vida de novo, ou desiste de tudo e sai da Igreja.
No caso dos homossexuais, não há a primeira opção permanecer casado, eu vi o Pr lavar os pés de um, só que ninguém sabe que ele é.
Não é hipocrisia, é tipo assim: eu não tenho nada a ver com sua vida, só quero que vc venha conhecer esse DEUS.
A pessoa batiza, mas não toma a ceia, porque no batismo a gente crucifica o velho homem, sai mais forte da água.
A ceia só quando ela tiver uma força maior e largar o pecado.
Não somos pecadores lutando para sermos santos, somos santos lutando contra o pecado.

Tereza

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