22.11.08

Em Busca de um Teatro Perdido

Ontem, mexendo em coisas aqui, encontrei a publicação da Trilogia Bíblica, que reúne material dos três primeiros espetáculos do Teatro da Vertigem: "O Paraíso Perdido", "O Livro de Jó" e "Apocalipse 1,11".

Folheei o livro. Reli trechos. Parei em determinadas imagens dos espetáculos, emblemáticas não apenas pela força, mas porque naquele momento me transportavam para outro tempo e me lançavam de nova inquietações antigas.

Material de imprensa da época. Carta anônima ameaçando Antônio Araújo, o diretor, então com 25 anos - época do "Paraíso Perdido" - defesa de artistas, etc... etc...

Eu tive o provilégio de ser aluno do Tó quando fiz a graduação. E de tê-lo como orientador em dois trabalhos de direção.

Me lembro de ter visto "O Livro de Jó" em 1995 com minha mãe. Na mesma sessão, Antunes Filho era uma das 50, 60 pessoas - no máximo, se não me engano - que acompanhava, pelas escadarias do Hospital Umberto Primo, a saga (contemporânea) do patriarca bíblico atormentado por uma aposta entre Deus e o Diabo que visa testar sua fé.

Jó é um joguete nas mãos dos "deuses", um personagem digno de uma tragédia de Ésquilo. Quase um peão movido por lance de dados, que entretanto prova sua dignidade mantendo-se firme à sua natureza. E Matheus Naschtergaele era magistral no papel. Comovente e digno, preciso e tocado - não tomado - pela grandeza humana de Jó. E eu me comovi. E minha mãe se comoveu. E o Antunes se comoveu. Assim como as outras 47, ou 57 pessoas. Não consegui assistir a remontagem com o Roberto Audio (foto). Mas ficou gravada a lembrança de "Jó" como um dos cinco melhores espetáculos que vi - quem sabe um dos três, ou dois? - que provavelmente mudaram minha forma de encarar o teatro para sempre.

Dizer que esse trabalho foi a síntese prática de tudo o que li sobre Artaud ou Grotowski é chover no molhado. Muito se falou sobre isso. Mas o que realmente interessa é como uma obra pode ser a síntese, não de teorias ou idéias, mas de coragem, despojamento, seriedade e dedicação.

Um amigo dizia que mesmo no mais ordinário dos espetáculos, há um momento em que o teatro "baixa" ali, como se um "Divino Espírito Santo dionisíaco" se manifestasse, mesmo que por um segundo apenas. Em "O Livro de Jó", o espírito do teatro resolveu guiar atores e público pela mão, o tempo todo.

René Piazentin, em A Vida e a Época de Gregor Samsa.

Um comentário:

Pavarini disse...

Tb assisti a saga de jó sob a genial direção do antônio araújo.

Ao lembrar, fica + fácil entender a "profecia" do tonioli qdo afirmou que não existe nem vai existir teatro numa igreja...

naschtergaele pingando sangue pelo corpo e os espectadores acompanhando a saga pelos corredores do antigo hospital umberto primo. pungente e inesquecível. =)

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