Estava sujo de lama quando o vi. Os olhos cheios de lágrimas que escorriam revelando finas linhas de pele escura sob o lodo malcheiroso da enchente. Chorava entre as casas destruídas, entre os destroços, entre o desespero. Vi o amor escorrendo como lágrima em dor e angústia e o desejo de abraçar a todos.
Vi-o também caminhando convicto carregando móveis, roupas e eletrodomésticos completamente destruídos, escorrendo suor, juntando entulhos, limpando bueiros.
Encontrei-o fardado, em tanques e caminhões, carregando macas. Vislumbrei-o de longe, chorando e assustado em casas inacessíveis.
Vi-o passando fome, bebendo água contaminada.
Observei a força de seus braços carregando alimentos e colchões. E vi o misto de tristeza e esperança em seus olhos enquanto separava roupas, brinquedos e comida nos galpões que recebiam doações.
Encontrei-o criança, inseguro, agarrado na saia da mãe; e idoso, suportando o rombo que lhe rebentou a alma enquanto toda sua vida deslizava em avalanches de lama, árvores, telhas e história.
Abracei-o, enfim, num canto isolado e inacessível, e choramos juntos.
Nos últimos 10 dias, Deus estava por todos os cantos em Blumenau.
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foto: Magru Floriano
no encerramento de um show, adriana calcanhoto disse que p/ cada situação que a gente vivencia provavelmente há uma música que tem o poder de nos tocar. a leitura do relato pungente me remeteu ao xará: "só quem sofreu pode avaliar quem sofreu / pode se identificar pode ter o mesmo sentir..."
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