Fé e MBA para não deixar nenhum brasileiro sem o Verbo
Em 26 de novembro, Daniel Zimmermann recebeu uma missão divina e, como tal, árdua e hercúlea. O funcionário da filial curitibana da Sociedade Bíblica do Brasil, a SBB, deveria largar tudo, carregar uma caminhonete com Bíblias antigas, novas e Testamentos afins, e tomar a BR-476 rumo ao norte de Santa Catarina. Uma viagem como qualquer outra, não fosse o fato de que, há dias, a região vinha sendo castigada por um dilúvio.
Nas cidades inundadas de Blumenau, Timbó, Gaspar, Indaial e Jaraguá do Sul, Zimmermann realizou o que sua organização chama de Ação Social para Situações Emergenciais – ou seja, “distribuir materiais bíblicos a vítimas de calamidades”. O secretário de Comunicação e Ação Social da SBB, Erní Seibert, explicou a primazia do Verbo sobre os antibióticos: “Eles tinham comida, tinham roupa, tinham remédio. Trouxemos o que estava faltando: esperança.”
Ecumênica e sem fins lucrativos, a Sociedade Bíblica Brasileira foi criada no Rio de Janeiro, em 1948, para “traduzir, produzir e distribuir a Bíblia, um bem de valor inestimável, que deve ser disponibilizado a todas as pessoas a preço e linguagem acessíveis”. A organização integra um grupo de 147 entidades assemelhadas, as Sociedades Bíblicas Unidas, cujo modelo inspirador é Mary Jones, uma menina galesa que, em 1800, depois de economizar por seis anos o seu pouco dinheiro, percorreu descalça 40 quilômetros para comprar uma Bíblia. Para que nenhum brasileiro precisasse fazer o mesmo, a SBB se pôs em marcha.
A Sociedade possui o maior parque gráfico de escrituras sagradas do mundo – a Gráfica da Bíblia, em Barueri, e a Encadernadora da Bíblia, em Santana do Parnaíba (ambos municípios da Grande São Paulo). Por ano, são 5 milhões e meio de livros distribuídos no Brasil e outros 2 milhões e meio exportados, em línguas que incluem o árabe, espanhol, francês, grego, inglês, latim e inúmeros idiomas africanos. É um “case de sucesso”, como se diz em marketing, um exemplo de ecumenismo e liberalidade em relação aos trendsetters, no caso, padres e pastores.
Desde sua fundação, a Sociedade Bíblica mantém um diálogo vigoroso com todas as ramificações da cristandade brasileira, tendo porta aberta em qualquer templo ou igreja. “Não há restrição para quem quiser fazer parte da nossa diretoria, basta ser cristão”, afirma Seibert. A sede da entidade, vizinha à gráfica em Barueri, reflete o princípio inclusivo: as paredes são nuas, sem imagens, santos ou mesmo crucifixos. “Nosso objetivo é ser a neutralidade”, explica o secretário de Comunicação.
Singrando céus pacíficos, a SBB consegue avançar sem incorrer nas tardanças de eventuais atritos teológicos. Em 2000, lançou a Bíblia com “Nova Tradução na Linguagem de Hoje”, conhecida no meio como NTLH. Foi elaborada por uma comissão de tradutores e teólogos preocupados em trazer a Palavra do Senhor para perto do idioma brasileiro. “Filho pródigo” transformou-se em “filho perdido”; “Não matarás”, em “Não mate”; e o basilar “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem” em “Pai, perdoa essa gente! Eles não sabem o que estão fazendo”. No começo, muitos desdenharam, mas pouco a pouco a novidade foi sendo adotada pelas igrejas neopentecostais, e chegou a gerar um spin-off católico, a Bíblia Fácil. Hoje, a edição NTLH é aquela cujas vendas mais crescem.
Vencida a batalha da língua, passou-se à segmentação. “Antigamente, se dizia que Bíblia podia ter capa de qualquer cor, desde que fosse preta”, diz Seibert, chistoso. “E o pior é que não vendia mesmo, nem as de cor vinho.” Velhos tempos. Hoje, entre a tradução erudita e tradicional de João Ferreira de Almeida (“revista e corrigida” ou “revista e atualizada”) e a NTLH, pólos opostos da imensa gama de Sagradas Escrituras oferecidas pela Sociedade, existem edições econômicas, populares, de estudo, para jovens, crianças, para a família, para o adolescente e para a adolescente, impressas em letras grandes, letras gigantes, letras gigantes com as palavras de Jesus em vermelho, com ou sem tabela de pesos, moedas e medidas, mapas em preto-e-branco, mapas coloridos, índice digital, com capas fechadas a zíper ou velcro, brilhantes ou opacas, de camurça bege, camurça marrom, couro ou couro sintético. A Bíblia da Mulher vem em dois tons de rosa diferentes e a Bíblia das Descobertas, para crianças, não sonega as profecias apocalípticas de são João, mas as faz conviver com passatempos e desenhos de grande mansidão.
Seibert é gaúcho, pastor luterano, doutor em teologia, com MBA em marketing pela Universidade de São Paulo. Não se tem notícia de eventuais dotes mediúnicos de Max Weber, mas é difícil não pensar que o sociólogo alemão tinha Seibert em mente quando juntou, na mesma frase, a ética protestante e o espírito do capitalismo.
fonte: revista Piauí
Em 26 de novembro, Daniel Zimmermann recebeu uma missão divina e, como tal, árdua e hercúlea. O funcionário da filial curitibana da Sociedade Bíblica do Brasil, a SBB, deveria largar tudo, carregar uma caminhonete com Bíblias antigas, novas e Testamentos afins, e tomar a BR-476 rumo ao norte de Santa Catarina. Uma viagem como qualquer outra, não fosse o fato de que, há dias, a região vinha sendo castigada por um dilúvio.
Nas cidades inundadas de Blumenau, Timbó, Gaspar, Indaial e Jaraguá do Sul, Zimmermann realizou o que sua organização chama de Ação Social para Situações Emergenciais – ou seja, “distribuir materiais bíblicos a vítimas de calamidades”. O secretário de Comunicação e Ação Social da SBB, Erní Seibert, explicou a primazia do Verbo sobre os antibióticos: “Eles tinham comida, tinham roupa, tinham remédio. Trouxemos o que estava faltando: esperança.”
Ecumênica e sem fins lucrativos, a Sociedade Bíblica Brasileira foi criada no Rio de Janeiro, em 1948, para “traduzir, produzir e distribuir a Bíblia, um bem de valor inestimável, que deve ser disponibilizado a todas as pessoas a preço e linguagem acessíveis”. A organização integra um grupo de 147 entidades assemelhadas, as Sociedades Bíblicas Unidas, cujo modelo inspirador é Mary Jones, uma menina galesa que, em 1800, depois de economizar por seis anos o seu pouco dinheiro, percorreu descalça 40 quilômetros para comprar uma Bíblia. Para que nenhum brasileiro precisasse fazer o mesmo, a SBB se pôs em marcha.
A Sociedade possui o maior parque gráfico de escrituras sagradas do mundo – a Gráfica da Bíblia, em Barueri, e a Encadernadora da Bíblia, em Santana do Parnaíba (ambos municípios da Grande São Paulo). Por ano, são 5 milhões e meio de livros distribuídos no Brasil e outros 2 milhões e meio exportados, em línguas que incluem o árabe, espanhol, francês, grego, inglês, latim e inúmeros idiomas africanos. É um “case de sucesso”, como se diz em marketing, um exemplo de ecumenismo e liberalidade em relação aos trendsetters, no caso, padres e pastores.
Desde sua fundação, a Sociedade Bíblica mantém um diálogo vigoroso com todas as ramificações da cristandade brasileira, tendo porta aberta em qualquer templo ou igreja. “Não há restrição para quem quiser fazer parte da nossa diretoria, basta ser cristão”, afirma Seibert. A sede da entidade, vizinha à gráfica em Barueri, reflete o princípio inclusivo: as paredes são nuas, sem imagens, santos ou mesmo crucifixos. “Nosso objetivo é ser a neutralidade”, explica o secretário de Comunicação.
Singrando céus pacíficos, a SBB consegue avançar sem incorrer nas tardanças de eventuais atritos teológicos. Em 2000, lançou a Bíblia com “Nova Tradução na Linguagem de Hoje”, conhecida no meio como NTLH. Foi elaborada por uma comissão de tradutores e teólogos preocupados em trazer a Palavra do Senhor para perto do idioma brasileiro. “Filho pródigo” transformou-se em “filho perdido”; “Não matarás”, em “Não mate”; e o basilar “Pai, perdoai-lhes porque eles não sabem o que fazem” em “Pai, perdoa essa gente! Eles não sabem o que estão fazendo”. No começo, muitos desdenharam, mas pouco a pouco a novidade foi sendo adotada pelas igrejas neopentecostais, e chegou a gerar um spin-off católico, a Bíblia Fácil. Hoje, a edição NTLH é aquela cujas vendas mais crescem.
Vencida a batalha da língua, passou-se à segmentação. “Antigamente, se dizia que Bíblia podia ter capa de qualquer cor, desde que fosse preta”, diz Seibert, chistoso. “E o pior é que não vendia mesmo, nem as de cor vinho.” Velhos tempos. Hoje, entre a tradução erudita e tradicional de João Ferreira de Almeida (“revista e corrigida” ou “revista e atualizada”) e a NTLH, pólos opostos da imensa gama de Sagradas Escrituras oferecidas pela Sociedade, existem edições econômicas, populares, de estudo, para jovens, crianças, para a família, para o adolescente e para a adolescente, impressas em letras grandes, letras gigantes, letras gigantes com as palavras de Jesus em vermelho, com ou sem tabela de pesos, moedas e medidas, mapas em preto-e-branco, mapas coloridos, índice digital, com capas fechadas a zíper ou velcro, brilhantes ou opacas, de camurça bege, camurça marrom, couro ou couro sintético. A Bíblia da Mulher vem em dois tons de rosa diferentes e a Bíblia das Descobertas, para crianças, não sonega as profecias apocalípticas de são João, mas as faz conviver com passatempos e desenhos de grande mansidão.
Seibert é gaúcho, pastor luterano, doutor em teologia, com MBA em marketing pela Universidade de São Paulo. Não se tem notícia de eventuais dotes mediúnicos de Max Weber, mas é difícil não pensar que o sociólogo alemão tinha Seibert em mente quando juntou, na mesma frase, a ética protestante e o espírito do capitalismo.
fonte: revista Piauí
colaboração: Helena Pacitti
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