Não acredito na reencarnação, mas confesso que tenho um medo: o de morrer, ser reencarnado e encontrar reencarnada uma das pessoas com quem vivo discutindo a reencarnação, dizendo que não acredito. E que não perderá a oportunidade de, todas as vezes que nos encontrarmos, gritar:
- Eu não disse?!
Não vai dar para agüentar.
Também me imagino chegando no céu e descobrindo que é tudo exatamente como o descrevem os crentes, ou pelo menos exatamente como o descrevem as anedotas. São Pedro, o portão, os anjos, tudo.
- Eu não acredito no que estou vendo! - direi.
São Pedro entenderá mal minha exclamação e dirá:
- Bacana, né?
- Não. É que eu era ateu e não acreditava em nada disso.
- E agora, acredita?
- Claro.
- Então vai para o inferno - dirá São Pedro, já levando o dedo ao botão que abre o alçapão.
- Mas, por quê? - perguntarei, espantado.
- Adesistas não.
E tem aquela do cara que chega no céu e enquanto preenche a ficha na recepção vê passar dois barbudos conversando animadamente. Começa a perguntar:
- Aqueles dois não são...
- São eles mesmos - diz São Pedro. - Marx e Freud. Na sua caminhada matinal.
- Mas, eles aqui?
- Qual é o problema?
- Era o último lugar em que eu esperava encontrar esses dois. Marx, o materialista ateu, que dizia que a religião era o ópio do povo. Freud, o homem que liquidou com a idéia da alma eterna. No céu?!
- Bom, nossos critérios de admissão são flexíveis...
Nisso Marx e Freud começam a discutir em altos brados.
- O que é isso? - pergunta o recém-chegado.
- Você não conhece o velho ditado? Dois judeus, quatro opiniões diferentes.
- Mas eles parecem que vão se engalfinhar!
- Você devia ver quando Jesus caminha com eles. Aí ninguém se entende.
Outro cara chega no céu entusiasmadíssimo. "Que maravilha!" diz, olhando em volta. A vida eterna. Paz para sempre. Tudo imutável e perfeito.
- É - diz São Pedro. - Mas você devia ver isto aqui nos bons tempos...
Luiz Fernando Verissimo [via Blog do Noblat]
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