11.1.09

Outro ano inacabado

Sei não, mas 2008 parece outro ano inacabado — tal qual 1968 que, para Zuenir Ventura em seu excelente livro, foi o ano que não terminou. Há quatro décadas, o regime militar instalado em 64 publicou, justamente em dezembro, o ato institucional mais arbitrário até então, o AI-5. O final daquele ano, que deveria fechar um ciclo cronológico abrindo portas para novas esperanças, revelava na verdade um horizonte de funestas perspectivas e cenários ainda mais desoladores. Era essa a impressão geral: a de que o ano não acabara.

Na passagem de 2008 para 2009 fiquei com a mesma sensação. Talvez por causa da crise financeira internacional que, iniciada nos três últimos meses do ano passado, promete causar turbilhões econômicos no decorrer do novo ano. Ou, quem sabe, devido ao estouro da guerra entre Israel e a Faixa de Gaza num período em que, via de regra, costumamos aprofundar nossos sentimentos de paz e confraternização universal. De qualquer modo, estou com a frustradora desconfiança de que a transição foi interrompida. Como se tivesse lido num desses quadros repentinamente estampados na tela do computador o aviso de que, por alguma nebulosa razão, o download não pôde ser completado.

No fim das contas, conforme a lúcida observação do poeta, se as circunstâncias ao redor não ajudam, cabe mesmo é a cada um de nós transformar o novo ano em ano novo de fato. Refiro-me aos versos de Drummond: “é dentro de você que o ano novo cochila e espera desde sempre”.

Nos difíceis dias que antecederam a queda de Roma, no século 4 da nossa era, os cidadãos romanos vagavam pelas ruas e praças a repetir, inconformados: os tempos são ruins, os tempos são ruins. Dizem que, em resposta, Agostinho — o célebre bispo de Hipona — dirigia aos chorões uma contundente advertência: sejam bons, e os tempos serão bons.

Quando inauguraram o painel Guernica na Exposição Internacional da Paris, retratando o bombardeio alemão sobre a cidade espanhola em apoio ao ditador Francisco Franco, um grupo de turistas da Alemanha indagou a Picasso se ele havia pintado aquele quadro. O artista andaluz, com fina ironia, sentenciou: “Eu, não. Foram os senhores”.

Fazemos os tempos, para o bem ou para mal. Por isso, sem dar crédito ao messianismo de um expressivo número de governantes que só agradam aos acomodados, ou ao populismo da maioria dos políticos que apenas aos ingênuos satisfazem, compreendamos que as grandes mudanças estão em nossas mãos, apesar dos contextos desfavoráveis, e peguemos logo esse touro pelo chifre.

Caso contrário, o novo ano será apenas um ano a mais. Ou a menos.

Carlos Novaes
dica do David Curty

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