Suponhamos que não fosse apenas um homem que ia de Jericó a Jerusalém, mas que fossem dois, e ambos assaltados por bandidos e muito mutilados, e que não passasse nenhum viajante por lá. Suponhamos ainda que um deles nada conseguisse fazer além de lamentar-se, enquanto que o outro esquecia e superava seu próprio sofrimento para pronunciar palavras amigas, de reconforto, ou ainda se arrastar ao preço de grandes dores até uma pequena fonte de onde ele trouxesse um pouco de água para proporcionar ao seu companheiro um refresco; ou suponhamos ainda que ambos ficassem sem condições de falar, mas um deles em sua oração muda clamasse a Deus também pelo outro: ele não teria sido então misericordioso? Se me cortam as mãos, não posso tocar cítara, e se me cortam as pernas, não posso dançar; se estou estendido e estropiado na margem, não posso jogar-me ao mar e salvar a vida de uma pessoa; e se estou no chão, braços e pernas quebrados, não posso me precipitar nas chamas para salvar a vida de outros: porém, eu posso ser misericordioso de qualquer maneira.Misericórdia: uma obra do amor mesmo quando ela não pode dar nada e nem consegue fazer nada. Capítulo integrante do livro "As obras do amor", de Sören Kierkegaard.
21.1.09
Samaritanos
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3 comentários:
Tem dias que é bom lermos palavras que falam diretamente ao coração.
Hoje foi assim...poucas palavras que não fizeram parada na razão endurecida.
Misericórdia (que é um outro nome/rosto para Amor) é com-padecer. E isso realmente pode se apresentar de infinitas maneiras desde que exista no coração.
Muito bom. Esse texto me deixou inspirado. Fiquei com vontade de ler um livro que eu tenho aqui do Kierkegaard.
Oi, Éverton.
Kierkegaard também me inspira e me provoca bastante. :)
Não sei se este é o primeiro livro dele que lês, e talvez até tu saibas o que vou dizer, mas nem todos os livros dele são textos explicita e diretamente cristãos. Grande parte de sua produção é de autoria pseudonímica, de modo que cada uma destas obras possui uma feição própria, com propósitos específicos, mas basicamente destinadas a provocar e desconstruir um cristianismo sonolento.
Por outro lado, as obras por ele mesmo assinadas evidenciam mais facilmente o que ele pensava. Alguns destes títulos são: As obras do amor, Discursos edificantes, Os papirer (diários), Ponto de vista explicativo de minha obra como escritor, Neutralidade armada (ainda não existe em português).
De todo modo, sejam textos pseudonímicos, sejam textos por ele mesmo assinados, Kierkegaard sempre tem muito a acrescentar. ;)
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