Com treinamento certo e instrumento adequado posso apunhalar um tigre rajado e anular a ameaça de seus dentes. Mas não é toda criatura selvagem que exibe a mandíbula tenaz de um felino ou o marfim plácido de um elefante; e nem toda fera selvática passou pela caneta de Adão. Quando o adversário tem um nome e uma mandíbula, confiar na destreza do nosso braço nem sempre implica em imprudência.
É perfeitamente possível vencer o medo com uma flecha, como faz o pequeno índio que dá os primeiros passos na imemorial arte da caça. Mas nem o maior dos índios, nem o mais colorido e experiente é capaz de desafiar e vencer o trovão que ruge. É que na aldeia o trovão é uma ameaça sem rosto, e quando a fera nos fita com olhos inexistentes então nenhum metal e nenhum cavalo pode nos salvar. Estamos nus.
Moisés com seus olhos de carne não pôde encarar a sarça ardente; e depois, quando moeu o bezerro de ouro, o fez em respeito à sarça que não fitou. O bezerro podia ser encarado e até estilhaçado: era um ídolo. O homem forja ídolos para costurar um rosto na sarça ardente, para expulsar dela a ardência e torná-la um objeto ao alcance de sua espada e de seus lábios. O ídolo anula o assombro e garante a manipulação; é a perfeita proteção contra a ameaça do não-ser.
Nos encastelamos em ídolos monumentais, erguidos com verbo e concreto e bytes, o que – seja dito! – não nos protege completamente contra o bote daquela terrível fera que Adão não nominou.
Alysson Amorim, no blog Amarelo fosco.
15.2.09
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