6.2.09

Islã cresce na periferia das cidades do Brasil

Cinco vezes ao dia, os olhos ultrapassam o concreto de ruas irregulares, carentes de esgoto e de cidadania, e buscam Meca, no outro lado do mundo. É longe e, para a maioria dos brasileiros, exótico. Para homens como Honerê, Malik e Sharif, é o mais perto que conseguiram chegar de si mesmos. Eles já foram Carlos, Paulo e Ridson. Converteram-se ao islã e forjaram uma nova identidade. São pobres, são negros e, agora, são muçulmanos.

Quando buscam o coração islâmico do mundo com a mente, acreditam que o Alcorão é a resposta para o que definem como um projeto de extermínio da juventude afro-brasileira: nas mãos da polícia, na guerra do tráfico, na falta de acesso à educação e à saúde.
Homens como eles têm divulgado o islã nas periferias do país, especialmente em São Paulo, como instrumento de transformação política. E preparam-se para levar a mensagem do profeta Maomé aos presos nas cadeias. Ao cravar a bandeira do islã no alto da laje, vislumbram um estado muçulmano no horizonte do Brasil. E, ao explicar sua escolha, repetem uma frase com o queixo contraído e o orgulho no olhar: “Um muçulmano só baixa a cabeça para Alá – e para mais ninguém”.

Honerê, da periferia de São Bernardo do Campo, converteu Malik, da periferia de Francisco Morato, que converteu Sharif, da periferia de Taboão, que vem convertendo outros tantos. É assim que o islã cresce no anel periférico da Grande São Paulo. Os novos muçulmanos não são numerosos, mas sua presença é forte e cada vez mais constante. Nos eventos culturais ou políticos dos guetos, há sempre algumas takiahs cobrindo a cabeça de filhos do islã cheios de atitude. Há brancos, mas a maioria é negra.

“O islã não cresce de baciada, mas com qualidade e com pessoas que sabem o que estão fazendo”, diz o rapper Honerê Al-Amin Oadq, na carteira de identidade Carlos Soares Correia, de 31 anos. “Em cada quebrada, alguém me aborda: ‘Já ouvi falar de você e quero conhecer o islã’. É nossa postura que divulga a religião. O islã cresce pela consciência e pelo exemplo.”

Em São Paulo, estima-se em centenas o número de brasileiros convertidos nas periferias nos últimos anos. No país, chegariam aos milhares. O número total de muçulmanos no Brasil é confuso. Pelo censo de 2000, haveria pouco mais de 27 mil adeptos. Pelas entidades islâmicas, o número varia entre 700 mil e 3 milhões. A diferença é um abismo que torna a presença do islã no Brasil uma incógnita. A verdade é que, até esta década, não havia interesse em estender uma lupa sobre uma religião que despertava mais atenção em novelas como O clone que no noticiário.

O muçulmano Feres Fares, divulgador fervoroso do islamismo, tem viajado pelo Brasil para fazer um levantamento das mesquitas e mussalas (espécie de capela). Ele apresenta dados impressionantes. Nos últimos oito anos, o número de locais de oração teria quase quadruplicado no país: de 32, em 2000, para 127, em 2008. Surgiram mesquitas até mesmo em Estados do Norte, como Amapá, Amazonas e Roraima.

Autor do livro Os muçulmanos no Brasil, o xeque iraquiano Ishan Mohammad Ali Kalandar afirma que, depois do 11 de setembro, aumentou muito o número de conversões. “Os brasileiros tomaram conhecimento da religião”, diz. “E o islã sempre foi acolhido primeiro pelos mais pobres.”

Na interpretação de Ali Hussein El Zoghbi, diretor da Federação das Associações Muçulmanas do Brasil e conselheiro da União Nacional das Entidades Islâmicas, três fatores são fundamentais para entender o fenômeno: o cruzamento de ícones do islamismo com personalidades importantes da história do movimento negro, o acesso a informações instantâneas garantido pela internet e a melhoria na estrutura das entidades brasileiras. “Os filhos dos árabes que chegaram ao Brasil no pós-guerra reuniram mais condições e conhecimento. Isso permitiu nos últimos anos o aumento do proselitismo e uma aproximação maior com a cultura brasileira”, afirma.

trecho de reportagem na revista Época. recomendo a leitura do texto completo.
dica do Jarbas Aragão
"O islã cresce pela consciência e pelo exemplo." impossível não pensar quais seriam as palavras p/ definir os jovens que abraçam as "boas novas". "consciência" e "exemplo" vêm à mente da galera ao pensar nos amigos que se tornaram participantes da bola de neve e da renascer, duas comunidades c/ boa penetração entre a juventude?
existe algum grupo de jovens evangélicos negros lidando c/ as questões listadas no início do texto? será que a música é a única motivação que tira algumas bundas jovens (e precocemente flácidas) da cadeira?

4 comentários:

Felipe Fanuel disse...

Obrigado por trazer este assunto à discussão. Desconfio que o forte apelo que a fé muçulmana tem aos tímpanos das pessoas menos favorecidas reside na concretude com que o islamismo encara a vida. Ao invés de abstrair as misérias deste mundo imaginando o que há de errado nos reinos espirituais e blá-blá-blá, estabelece-se uma luta (jihad) contra todos os males visíveis aqui e agora. No reino futuro, só haverá recompensas se houver batalha no reino presente.

A meu ver, essa cosmovisão é muito motivadora para pessoas que nasceram e sobrevivem em condições precárias de vida. Elas encontram aí uma metanarrativa, a partir da qual se animam para encarar as dificuldades do dia-a-dia sem resignação. Aprendem a lutar contra tudo e todos, inclusive a própria vida, que nada mais é que um fio que o fiel deve transformar em condutor da vontade de Alah, o único Absoluto que há.

No livro O Jesus muçulmano, onde são trazidos textos da tradição islâmica a respeito daquele velho homem de Nazaré, há uma passagem curiosa, que revela um pouco disso:

Jesus pregou aos israelitas. Eles choraram e começaram a rasgar as roupas. Disse Jesus: 'Que pecado comteram vossas roupas? Voltai-vos em vez disso para vossos corações e censurai-os.'

Ou seja, o choro, a abstração, de onde provém o nosso famoso "arrependimento", não é tão importante quanto o acordar para a realidade. Em um outro momento do livro, algumas pessoas estavam chorando por temer seus pecados, e Jesus chega a dizer: "Abandonai-as e sereis perdoados." Logo, de nada adianta abstrair os males reais deste mundo se a realidade concreta continua cruel.

O muçulmano luta, não resigna. E é nesta luta que ele cumpre sua missão. Não sei quantos ainda se lembram de que Jacó lutou "com" Deus. E foi aí que se consolidou sua autoafirmação.

Bendita seja a luta!

Adriana Neumann disse...

Ai ai, às vezes me dá uma vergonha de ser cristã...

Fico imaginando Cristo olhando a gente e pensando: 'Eu disperdicei meu tempo e me sacrifiquei à toa..."

Abração!

Adriana

Eliézer disse...

Felipe Manuel diz:

"... Desconfio que o forte apelo que a fé muçulmana tem aos tímpanos das pessoas menos favorecidas reside na concretude com que o islamismo encara a vida. Ao invés de abstrair as misérias deste mundo imaginando o que há de errado nos reinos espirituais e blá-blá-blá, estabelece-se uma luta (jihad) contra todos os males visíveis aqui e agora."

Parece o discurso das pregações do Caio Fábio sobre a fantasia evangélica X a realidade da vida que a biblia não esconde.

Adriana Neumann lamenta:
"Fico imaginando Cristo olhando a gente e pensando: Eu disperdicei meu tempo e me sacrifiquei à toa..."

Ainda bem que Ele não é a gente ! Enquanto deixammos o desânimo pela superficialidade cristã de hoje nos tragar, Jesus ainda nos diz que nos ama mesmo assim. Só espera acordarmos para a verdade.

Anônimo disse...

Pavarini, esse post inspirou o tema do acampamento de carnaval da Betesda aqui de Boa Vista-RR.
O tema foi: Comunicando o Reino de Deus pela Consciência e pelo exemplo.
Numa das manhãs utilizei o texto (com o seu comentário sobre as bundas precocemente flácidas) para discussão em grupos.
A proposta não era estabelecer estratégias para combater o avanço do islamismo, rsrsrs, mas como realmente, concretamente, ser um vislumbre do Reino através da consciência e do exemplo.
O resultado foi ótimo. Os cerca de 120 jovens que participaram compartilharam muitas idéias simples e práticas para isso.
Nosso desafio vai ser colocar algumas delas em prática.
Muito obrigado, cara, pelos tantos posts legais (aliás, no texto que entreguei, a moçada foi convocada a acessar seu blog - religiosamente - pelo menos uma vez ao dia - rsrsrs).
Abração!

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