O título do e-mail começa com "Enc: Fw: Fwd: En:", sugerindo que o material já frequentou um bocado de caixas de entrada.
O conteúdo pode ser um texto motivacional, uma história engraçadinha ou uma crítica virulenta ao governo. Mas o autor, quase sempre, é um escritor consagrado. Bem, não exatamente.
Vítimas habituais da atribuição indevida de autoria de textos na internet, Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector e Mario Quintana não podem mais se defender.
Mas Luis Fernando Verissimo, de tanto ver seu nome associado a textos que não escreveu --e de ser espinafrado e parabenizado por eles-- já se manifestou mais de uma vez sobre o assunto.
"O incômodo, além dos eventuais xingamentos, é só a obrigação de saber o que responder em casos como o da senhora que declarou que odiava tudo que eu escrevia até ler, na internet, um texto meu que adorara, e que, claro, não era meu", escreveu em 2005 no jornal "Zero Hora". "Agradeci, modestamente. Admiradora nova a gente não rejeita, mesmo quando não merece."
O texto em questão é "Quase", escrito por Sarah Westphal, à época estudante de medicina em Florianópolis. Creditado a Verissimo, "Quase" chegou a ser traduzido e publicado na França em uma coletânea de escritores brasileiros.
Elson Barbosa, moderador de uma comunidade sobre o escritor no Orkut, compila textos falsos de Verissimo e, quando possível, identifica os verdadeiros autores.
Mas por que será que Verissimo é o campeão dos apócrifos da internet? "Talvez porque ele seja hoje o mais popular cronista brasileiro", sugere a jornalista Cora Rónai, que organizou "Caiu na rede" (ed. Agir), compilação de textos falsos lançada em 2006 (leia trechos aqui). "Minha proposta de título para o livro, por sinal, era "Falsos Verissimos"."
Cora conta que Millôr Fernandes, com quem é casada, conforma-se com o fato de não ser possível controlar o que circula em seu nome na internet, "mas não consegue deixar de ficar indignado com a qualidade das coisas que atribuem a ele. "Mas é isso que pensam de mim?!", "Quer dizer que acham que eu escreveria uma babaquice dessas?!" e por aí vai."
Pasquale Cipro Neto, colunista da Folha, afirma que sempre recebe elogios sobre textos que não escreveu - um deles creditado a um certo professor "Pascoale". "As pessoas ficam decepcionadas quando revelo que não sou eu o autor", diz.
Entre outros "ensinamentos", um Pasquale farsante explica na internet que "Quem tem boca vaia Roma", com o verbo vaiar, seria a formulação correta do ditado popular. "Eu nunca escrevi isso, não tenho nada a ver com isso. É uma bobagem monumental", afirma Pasquale, o verdadeiro.
"O pior é que as pessoas acreditam, não desconfiam de jeito nenhum", afirma o professor. "Acham que a internet é cartório e que, se está lá, está santificado."
"Sou contra a prisão perpétua, mas sou a favor dela para quem escreve textos apócrifos na internet", escreveu Drauzio Varella em sua coluna na Folha, em 2005. A irritação se justifica: sob seu nome, circulam textos que difundem conceitos equivocados de medicina.
Um deles exalta o pensamento positivo como forma de evitar doenças. "É exatamente o oposto do que eu penso", afirma. "É uma sacanagem. Como é que colocam uma coisa dessas na minha boca?"
Outro "falso Drauzio" é "Porta do lado", que deriva de uma frase dita por ele em uma entrevista. "Pegaram essa frase e fizeram um texto babaca, uma coisa absurda", conta. "Corre [na internet] com a minha fotografia e com musiquinha, que é tudo o que eu odeio."
A despeito da alegada babaquice, da musiquinha e da autoria falsa, "Porta do lado" é bastante popular. "Acho que, de todos os textos que eu escrevi na vida, é o que mais faz sucesso", diverte-se.
Há cerca de três meses, Varella concedeu uma entrevista a uma rádio da Espanha. O locutor o apresentou recitando a seguinte frase, atribuída ao médico: "No mundo atual está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e silicone para mulheres do que na cura do mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos teremos velhas de seios grandes e velhos de pinto duro, mas que não se lembrarão para que servem."
Varella teve que esclarecer no ar que não é o autor. "Não tenho a menor ideia de quanto se investe na cura do Alzheimer. E jamais falaria uma grosseria dessas. Nem no botequim."
fonte: Folha Online
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