Hoje foi uma sexta-feira de sol aqui na Amazônia. Nesses dias é como se a gente estivesse dentro de um lago, um rio, um mar e, sob as suas águas, pudesse respirar. É tanta a água e tanto o calor que, num ritual mágico, químico e biológico, somos atingidos por um morno vapor invisível. Não tocamos, mas sentimos. Não vestimos, mas é como se fossem os paramentos sagrados de uma liturgia.
Respiramos água que, na sua forma invisível, nos faz sentir como se estivéssemos respirando magicamente dentro do líquido amniótico. É como se as nossas aldeias indígenas, nossas interioranas avenidas e as margens de nossos rios fossem um útero carinhoso e o cordão umbilical fosse o nosso jeito amazônico de viver e de respirar.
Acredito que não haja nada mais adequado para comparar a Deus ou ao Espírito Santo do que o ar morno, forte e denso que nós respiramos aqui na Amazônia. Como disse: não vemos, não tocamos, mas fortemente sentimos. Sabemos que ele existe, porque ora nos exaspera e, noutro instante, nos alivia, quando as chuvas torrenciais descem para lavar as cinzas de nossas queimadas e as maledicências de nossos pecados.
Hoje, com toda a minha convicção marxista, eu senti a força de Deus, aquele mesmo que impulsionou os cristãos que foram esfolados vivos pelo capital, seja aquele da terra, das mansões, dos tribunais ou das grandes fábricas. Li a nota antológica da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), através de seu braço mais humano, a CPT (Comissão Pastoral da Terra), que denuncia o caráter parcial, reacionário e elitista das declarações do presidente do STF (Supremo Tribunal Federal) sobre o papel do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
Nas palavras duras e sábias dos bispos eu senti o vapor da água amazônica que se despede dos lagos e dos rios e se torna uma entidade invisível, palpável e forte, entre a terra e o céu. Eles disseram a esse senhor poderoso das instituições públicas do Brasil que a sua palavra é mais comprometedora do que a saída de Pilatos pela tangente. Gilmar Mendes adotou o poder da terra e condenou, sem julgamento, os pequeninos, aqueles que lutam, sob o sol e as balas dos jagunços, por um pedaço de chão, de onde possam tirar alimento e abrigo do calor morno do seu próprio suor.
Os bispos do Brasil dizem que Gilmar Mendes, falando do alto da montanha do poder temporal, não pode ignorar e nem esconder que, de 1985 a 2007, ocorreram 1.117 conflitos com a morte de 1.493 trabalhadores. (Em 2008, ainda dados parciais, são 23 os assassinatos). Destas 1.117 ocorrências, só 85 foram julgadas até hoje, tendo sido condenados 71 executores dos crimes e absolvidos 49 e condenados somente 19 mandantes, dos quais nenhum se encontra preso. Onde está a justiça de Gilmar Mendes?
Como pode, então, a autoridade do topo do poder judiciário manifestar-se dessa forma, condenando os pequenos, aqueles que nem terra eles têm? Como pode calar-se diante de tantos crimes? E por que tanto silêncio daqueles que receberam o nosso voto para nos defender? Por que os lutadores do povo que ganharam poder estão tão passivos, acomodados e acovardados? Será que é a maldição de que Marx falava, quando o homem não passa de um mero produto do meio? Por que os palácios encantam tanto e matam a resistência daqueles que queriam quebrar o seu poder?
Por isso a minha alegria nas palavras proféticas dos nossos bispos. Que eles continuem a rezar ao Deus das tempestades e das chuvas, das multidões em romaria e de todos os pobres da terra. Que eles continuem assim: cuidando do homem brasileiro, do seu corpo e do seu espírito. Eles nos trazem esperança e ânimo para lutar contra o poder daqueles que acham que os lobos sempre vencem.
Nossos bispos se armam de fé e as balas de seus fuzis são os versículos do Novo Testamento, enquanto as sentenças milenares do Pentateuco são as pedras e a areia de suas evangélicas trincheiras. Onde estão aqueles que podem nos defender? Onde eu estou e onde está você? Não dizem uma palavra, acovardados, com medo de um juiz qualquer, talvez porque seus atos não suportem uma investigação daqueles que protegem o dono da terra, do mesmo jeito, embora mais sutil, que protegiam outrora o senhor de escravos.
Por isso eu volto a acreditar nessa Igreja de homens limpos, de sacerdotes e de santos, porque ela volta a amar os homens da terra na sua dor e na sua agonia. E os hipócritas venderão os seus escárnios e suas almas doentes. E se Deus estava de férias, ele voltou com ânimo e um livro de fogo contra os vermes de toga e seus capachos, desceu as montanhas das frias catedrais e acampou com os sem terra nas planícies da vida humana. Trouxe alento à igreja que estava morrendo no meu coração.
Leia a nota dos bispos, que é mais do que um grito, é uma sentença sagrada e uma profecia. Uma condenação a Gilmar Mendes e sua indecência jurídica.
Moisés Diniz, deputado estadual (PCdoB) do Acre, no Via política.
17.3.09
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