28.4.09

O sonho da bunda própria

O funk nos mostra, sem rodeios, um projeto de feminilidade que aceitamos consumir em pequenas porções. Mulher Melancia. Mulher Morango. Mulher Jaca. A feira é completa e variada.

O feirante capricha nas ofertas: paga a bunda, leva o peito, arremata a coxa. Chacoalha tudo. Mulher para comer aos pedaços. Raw food. Aceitamos cartão de crédito!

O fenômeno das mulheres hortifrúti invadiu a cena alimentar brasileira.

De costas, para quem não viu. Mulheres-suporte remexem seu bumbumcelebridade com entusiasmo nunca visto. No ponto alto da performance, ela - a bunda - é quem está de frente para a platéia. Olhos e boca, peitos e barriga, em geral importantes elementos na composição dos espetáculos rebolativos, aqui se acanham e cedem lugar à protagonista. Se ainda restava alguma dúvida, o funk nos joga na cara: a bunda é o poder!

“Onde este mundo vai parar?”. “Imaginem: chamar a mulher de filé!” “Que horror: usar o corpo desse jeito!”. “Só podia ser coisa do funk!”. Pois eu acho que Mister Catra, ao passar o cartão de crédito no bumbum da Mulher Filé, está dando uma imensa contribuição às reflexões sobre o projeto de feminilidade propagado pela mídia contemporânea. Afinal, esta imagem sintetiza, como poucas, o ideal de consumo que sorvemos mensalmente nas páginas das revistas: o corpo turbinado, representação da mulher poderosa, em relação obscena com um cartão de crédito. Nada mais preciso.

Ou existe alguma dúvida de que o corpo saradão, sujeito a toda sorte de intervenções médicas e estéticas, é o que faz a roda da mídia feminina girar? A fronteira que separa o sucesso do fracasso? Por que os closes de pedaços de corpos erotizados, que se pretendem modelos, não nos choca nas páginas das revistas “chiques”? E encarar que o bumbum da Mulher Melancia seja objeto de desejo de tantas jovens nos parece curioso? Da mesma forma, não vejo muita diferença entre chamar a mulher de jaca ou filé e colocar uma modelo dentro de uma forma de brigadeiro para vender xampu. A não ser o fato de as primeiras serem produzidas pelos “excluídos” do funk e as segundas pelos “incluídos” da publicidade, com suas artimanhas discursivas tão mais sofisticadas.

A crueza do funk não deve ser vista como uma aberração, mas como um convite a entrarmos em contato com a realidade de que a construção da subjetividade via corpo sedutor ainda move o feminino no século XXI. Não é por acaso que, no site das três maiores revistas femininas do país, a busca pela palavra-chave “corpo” produz 5 vezes mais ocorrências do que “mente”; 11 vezes mais ocorrências do que “política”; 23 vezes mais ocorrências do que “solidariedade”. Viva o banho de realidade da bunda do funk!

Denise Gallo, na revista TPM [via Vila Batom]

2 comentários:

Nadir disse...

Então acabou aquele papo de que "bunda todo mundo tem".
Se para isso existe inveja, imagine para as coisas que não se possui!
Agora tudo está bundalizado.

Paulo Braccini disse...

perfect isto ... adorei ...

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