30.7.09

Deixem Jesus em paz

Meu pai, na primeira vez em que me ouviu dizer que eu era ateu, me disse para mudar o discurso e dizer que eu era agnóstico: "Você não tem cultura para se dizer ateu", sentenciou.

Confesso que fiquei meio sem entender. Até que, nem faz muito tempo, pude ler "Em que Creem os que Não Creem", uma troca de cartas entre Umberto Eco e o cardeal Martini, de Milão, livro editado no Brasil pela editora Record.

De fato, o velho tinha razão, motivo pelo qual, ele mesmo, incomparavelmente mais culto, se dissesse agnóstico, embora fosse ateu.

Pois o embate entre Eco e Martini, principalmente pelos argumentos do brilhante cardeal milanês, não é coisa para qualquer um, tamanha a profundidade filosófica e teológica do religioso. Dele entendi, se tanto, uns 10%. E olhe lá.

Eco, não menos brilhante, é mais fácil de entender em seu ateísmo.

Até então, me bastava com o pensador marxista, também italiano, Antonio Gramsci, que evoluiu da clássica visão que tratava a religião como ópio do povo para vê-la inclusive com características revolucionárias, razão pela qual pregava a tolerância, a compreensão, principalmente com o catolicismo.

E negar o papel de resistência e de vanguarda de setores religiosos durante a ditadura brasileira equivaleria a um crime de falso testemunho, o que me levou, à época, a andar próximo da Igreja, sem deixar de fazer pequenas provocações, com todo respeito.

Respeito que preservo, apesar de, e com o perdão por tamanha digressão, me pareça pecado usar o nome em vão de quem nada tem a ver com futebol, coisa que, se bem me lembro de minhas aulas de catecismo, está no segundo mandamento das leis de Deus.

E como o santo nome anda sendo usado em vão por jogadores da seleção brasileira, de Kaká ao capitão Lúcio, passando por pretendentes a ela, como o goleiro Fábio, do Cruzeiro, e chegando aos apenas chatos, como Roberto Brum.

Ninguém, rigorosamente ninguém, mesmo que seja evangélico, protestante, católico, muçulmano, judeu, budista ou o que for, deveria fazer merchan religioso em jogos de futebol nem usar camisetas de propaganda demagógicas e até em inglês, além de repetir ameaças sobre o fogo eterno e baboseiras semelhantes, como as da enlouquecida pastora casada com Kaká, uma mocinha fanática, fundamentalista ou esperta demais para tentar nos convencer que foi Deus quem pôs dinheiro no Real Madrid para contratar seu jovem marido em plena crise mundial. Ora, há limites para tudo.

É um tal de jogador comemorar gol olhando e apontando para o céu como se tivesse alguém lá em cima responsável pela façanha, um despropósito, por exemplo, com os goleiros evangélicos, que deveriam olhar também para o alto e fazer um gesto obsceno a cada gol que levassem de seus irmãos...

Ora bolas!

Que cada um faça o que bem entender de suas crenças nos locais apropriados para tal, mas não queiram impingi-las nossas goelas abaixo, porque fazê-lo é uma invasão inadmissível e irritante.

Não mesmo é à toa que Deus prefere os ateus...

Juca Kfouri, na Folha hoje.

5 comentários:

Thiago Sans disse...

Uma demagogia na verdade é o que fazem agora os que se dizem insultados com as manifestações religiosas desses profissionais, aqui falando dos jogadores de futebol evangélicos. Não acompanho o futebol tão de perto, mais desde tempos bem remotos via o repetido gesto de entar em campo tocando a grama e fazendo o sinal da cruz..e não me lembro de tamanha repercussão da parte de ninguém. Pode-se tentar trazer um discurso o mais caprichado possivel de como as coisas profanas que acontecem no futebol por exemplo seriam indignas de uma menção do nome de Deus. Será isso mesmo? A liberdade de culto se restringe a algum tipo de ambiente ou lugar. O afeto demosntrado a familia na comemoração de um gol não pode dar lugar a uma demonstração de amor a Deus. O que posso concluir é que existe realmente algo a ser engolido pelos que presenciam essas demonstrações de fé, aquilo que o Ap. Paulo já dizia que a palavra de Deus provocaria... incômodo, comichão nos ouvidos...

Thiago Santos
Belém/PA

Eliézer disse...

Basicamente acredito que não se pode arbitrar a maneira como cada um comemora seu gol ou defesa de gol. Se com o sinal da cruz, o beijo na medalha da santinha ou apontando para o céu, trata-se essencialmente de gente, em princípio leiga, atribuindo seu feito a um ser superior segundo sua compreensão. Questão que nem a CBF nem a FIFA podem legislar, pois trata-se de manifestação pessoal.

Entretanto, há de se separar o que é uma manifestação pessoal de um ato proselitista. No caso do Kaká, levantar a camisa para proclamar uma mensagem religiosa, parece-me ser o caso de um ato proselitista.

Há de se lembrar que os cristãos, especialmente os evangélicos, tem uma herança proselitista histórica, que recrudesceu com as teologias do triunfalismo e da prosperidade nas últimas décadas. A união desses fatores (o proselitismo com as teologias modernas) criou esse Frankstein nos campos de futebol: a comemoração proselitista.

Para os "evangélicos" enquanto for assim, melhor para eles. A partir do momento em que um jogador muçulmano começar a levantar a camisa com versículos do Alcorão ou um católico estampar a imagem da Aparecida sob o uniforme em momento de comemoração, a gritaria "evangélica" contra vai se manifestar. Para os "evangélicos" não existe isonomia de tratamento, pois aos olhos deles uns são mais iguais que os outros.

Deixem os jogadores expressarem respeitosamente sua alegria e gratidão da maneira que quiserem; mas que se tomem atitudes para não deixarem isso virar ato de proselitismo religioso.

Trannin Carlos disse...

Desculpem-me, qual é o crime em procurar ganhar pessoas para sua própria filosofia ou religião, seja ele muçulmano, cristão ou ateu? Se um dias os evangélicos se revoltarem porque alguém "proselitismo" com Aparecida, estarão errados, do mesma maneira que está quem se "dói" com a atitude do Kaká. Por que temos que nos ofender com os esforços de uma pessoa, seja ela quem for, em divulgar sua opinião ou fé? Sinceramente...

Armando MArcos disse...

Concordo com o Thiago Sans! alguem alguma fez de quando em copas os jogadores oram Pai Nosso e Ave Maria? agora a meu ver parece que isso é coisa de ser Kaká e outros evangélico( será que se fosse um jogador com a imagem de Maria alguem falaria algo?)

por que o esporte TEM que ser laico ? a pessoa não pode se manisfestar?

me senti lendo algum autor romano pagão do seculo 1!
abraços
Armando Marcos

http://armandomarcos.blogspot.com/

liberdade de expressão disse...

Esse Juca Kfouri é ridículo.

Se um jogador cantasse em sua comemoração um samba (ou rock), por exemplo, duvido que ele ia dizer que samba (ou rock) e futebol não se pode misturar. Da mesma forma que ele não fala que futebol e propaganda comercial nas camisas (merchan de verdade) não se pode misturar, porque ele não é besta de cutucar o bezerro de ouro que lhe dá dinheiro.

Portanto, toda essa choradeira dele se explica facilmente por seu ateísmo rancoroso e sua raivinha de religião, pura e simplesmente, e não por "razão" nenhuma.

Se fôssemos seguir a mesma linha de preconceito idiota dele, a gente poderia dizer também que comentarista de futebol deveria ser proibido de falar de religião, ou qualquer outro assunto que não fosse seu esportezinho mercenário. Que tal, Juca?

Carlos

http://liberdadedeexpressao.multiply.com

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