29.7.09

Descobri que sou um herege

Não raro tenho que enfrentar afirmações que apontam-me como "louco", "doido" e "rebelde". Suportar olhares de "escândalo" e "surpresa". Escutar que estou "desviado" e que sou um "mundano". Creio que afinal sou um herege.

Heresia vem do grego haíresis e significa escolha. É heresia a escolha contrária ou diferente de um credo ou sistema religioso que pressuponha um sistema doutrinal organizado, ortodoxo. A palavra pode referir-se também a qualquer "deturpação" de sistemas filosóficos instituídos, ideologias políticas, paradigmas científicos, movimentos artísticos, ou outros.

Hairesis, que literalmente significa "escolha", é usada no Novo Testamento para designar uma seita ou facção. Por exemplo, os saduceus eram uma seita dentro do Judaísmo (Atos 5:17), assim como eram os fariseus (15:5). Quando inicialmente muitos judeus creram que Jesus de Nazaré era o Messias, eram conhecidos como "a seita dos Nazarenos" (24:5). Em cada um desses versos, a palavra hairesis não é usada para insultar - ela significa meramente uma seita, um pequeno grupo dissidente que se separou do Judaísmo. Depois que a igreja cresceu e se desenvolveu, qualquer grupo faccioso dentro de uma igreja local foi chamado de heresia - isto é, era uma seita que detinha certas opiniões contrárias às verdades estabelecidas pelos apóstolos. Em vista disso, Paulo disse à igreja em Corinto que seitas deveriam se desenvolver entre eles como uma forma de separar o falso do verdadeiro (I Corintios 11:19).

Eventualmente, a palavra "heresia" veio a significar o ensino particular que causava a separação de alguns do Cristianismo ortodoxo. Assim, Pedro exortava os cristãos sobre vários falsos mestres que tentariam demover os fiéis com seus ensinos heréticos (II Pedro 2:1). Na era moderna, esta é a forma como a palavra "heresia" é normalmente entendida; é incomum e/ou falso ensinamento aquele que prejudica a fé de certos fiéis e também causa facções distintas dentro da igreja.

Algumas heresias famosas incluem o Gnosticismo, a perda de um corpo de idéias que normalmente incluem o ensino de que um ser maligno criou o mundo físico; Docetismo, que ensinava que Cristo não era humano de verdade; e muitas outras, frequentemente tendo a ver com a identidade de Cristo ou com a Trindade (dois tópicos muito polêmicos na história da igreja).

Enfim, quando um ou alguns faziam uma "escolha" que ameaçasse as estruturas bem arraigadas do Cristianismo institucionalizado, eram tidos como hereges. Fico pensando como Jesus reagiria a uma heresia? Com certeza, não o vejo queimando ninguém por fazer uma escolha diferente das boas novas que ele apresentava. Inclusive, não percebo nos relatos dos Evangelhos, nenhum traço em Jesus que o mostre preocupado com "hereges" ameaçando a sua mensagem. Aliás, Jesus não impõe as suas boas notícias. Antes, faz questão de fazer com que cada um que desejasse segui-lo ponderasse bastante a respeito de tal decisão. Jesus não invadia o direito de escolha das pessoas. Não sei de onde a igreja medieval entendeu que pessoas deviam ser queimadas em praça pública por escolherem não acreditar nas indulgências ou nos papas. Não vejo Jesus convertendo pessoas ao seu Evangelho à espada. Antes, com uma mensagem dura, impactante, radical e difícil de seguir. Mensagem tal que instigava a uma escolha dos ouvintes.

Algo na história da igreja me surpreende. Não fosse um herege Galileu talvez este texto não tratasse de cristianismo. Não fosse um herege chamado Galileu Galilei, a igreja estaria até hoje dogmatizando que a Terra é o centro do Universo. Não fosse um herege chamado Martinho Lutero estaríamos presos à ortodoxia católica apostólica romana. Pressuponho que ser um herege não é de todo ruim.

É claro que, há hereges e hereges! No entanto, a heresia depende do ponto de vista. Para os judeus os cristãos são hereges. Para os católicos os protestantes são hereges. Para os protestantes os adeptos da New Age são hereges. Revertemos a ordem destes e encontraremos uns hereges dos outros. Se não acreditar nas "teologias" prontas e autosuficientes é ser herege, então o sou. Se não acreditar na Teologia da prosperidade é ser herege, então o sou. Se não acreditar no Triunfalismo evangélico é ser herege, então o sou. Se não acreditar na Teologia da libertação, maldição hereditária e etc é ser herege, então o sou. Se não acreditar em "Cobertura espiritual" sob pena de maldição é ser herege, então o sou. Se questionar "Apóstolos", "Bispos", "Reverendos", "Arcebispos", "Papas" que abusam da posição clerical é ser herege, então o sou. Se não acreditar em "Templos", "Santuários" sagrados é ser herege, então o sou. Se não acreditar na casta leigo/clero e defender o sacerdócio de todos os crentes é ser herege, então o sou. Se não acreditar no sistema religioso predominante é ser herege, então o sou. Se mesmo assim, não me contendo dentro de qualquer sítio religioso, depender da graça, dia-a-dia tomar a minha cruz, negar a mim mesmo, enterrar meu velho homem, lutar contra o pecado na minha vida, amar meu próximo como a mim mesmo, ser amigo dos homossexuais, dos beberrões, dos mentirosos, dos pobres, dos ricos, das prostitutas, dos portadores de HIV e de todos os outros pequeninos, se o autor e consumador da minha fé é Jesus Cristo, Filho de Deus, meu único Salvador, é ser herege, então, pelo amor de Deus, eu sou um grande herege.

Acho que o fator comum entre todos os grandes "hereges" é o fato de que todos eles pensam.

Pensar não é difícil. Pode ser perigoso, mas não é complicado; pode ser trabalhoso, mas não é proibido.

É preferível correr o risco de se expor à ameaças de um herege peçonhento como eu do que ser encabrestado por um professor obtuso e preconceituoso. É muito mais digno ter opinião própria do que repetir preconceitos alheios.

A religião tenta preservar-se criando ?Guantánamos? onde joga aqueles que ela considera terroristas. Lá mofam os ?Galileus? que ousaram afirmar suas constatações científicas; lá apodrecem os ?Huss? que não se conformaram com as viseiras farisaicas que lhes foram dadas; lá morrem os ?Martin Luther Kings? que não se curvaram ao *status quo*.

A religião de certezas não tolera que a espiritualidade conviva com incertezas. O fariseu precisa criar sistemas lógicos para que suas opiniões perdurem inabaláveis. Ele apedreja todos os que se expuserem a outras verdades. E quem tiver a petulância de pedir explicações será exilado.

A postura da elite eclesiástica é: rotule-se como apóstata todo o que olhar por cima das nossas cercas para ver se há alguma vida fora do nosso estreito corredor dogmático. (Ricardo Gondim)

Texto que escrevi no blog Tomei a pílula vermelha

3 comentários:

claudio pimenta disse...

TAMBEM quero ser hereje!


www.exejegues.blogspot.com

Anônimo disse...

Pavarini, apesar de eu não poder expressar minha opinião, o que é uma contradição com relação ao que você quer que as pessoas pensem de você, o fato positivo de eu descobrir que você filtra os comentários dessa forma, é que, pelo menos a gora nós dois sabemos quem tomou e quem não tomou a pílula vermelha.

Rafah disse...

Sou herege graças a Deus!

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