15.7.09

Erva venenosa

“Amantíssimos irmãos que escolheram a Catedral Evangélica para buscar as benesses do nosso Deus excelso, vamos receber com uma calorosa salva de palmas o reverendo Silas Malafaia. Ele será o portador da mensagem que o Pai celeste deseja nos transmitir nesta noite de encerramento da campanha “As 7 chaves da vitória”. Após o culto, o ínclito servo do Deus Altíssimo estará no átrio autografando a “Bíblia da Prosperidade e Batalha Espiritual”, quintessência exegética que traz comentários do Doutor em Divindade Morris Cerullo.”

Trágica ou hilária (dependendo do ponto de vista), a cena acima (ainda) não ocorreu. No entanto, inúmeros elementos característicos da práxis neopentecostal hoje fazem parte da liturgia de igrejas que, num passado recente, lutaram para manter coerência e base bíblica inclusive na área musical.

O zelo com a Palavra não mais se estende ao chamado “período de louvor”, numa espécie de “licença poética”, naturalmente sem nenhuma poesia. “Se formos rigorosos, perderemos os poucos jovens que ainda temos”, raciocinam os pastores. Após inúmeros embates, preferiram jogar a toalha (e o nível), optando por engolir semanalmente batráquios que crescem em lagoas de tamanhos variados.

Gênesis

Nascido na década de 60, o neopentecostalismo abandonou os usos e costumes característicos das igrejas pentecostais. Ao mesmo tempo em que saias e cabelos foram encurtados, a liturgia também sofreu transformação. Os tradicionais hinários foram deixados de lado e substituídos pelo retroprojetor.

Em lugar do engessamento litúrgico que circunscrevia a música a períodos de nomes pomposos como contrição e ofertório, as canções passaram a ser usadas para ajudar as pessoas a “abrir o coração”. O conteúdo do que seria cantado era questão de somenos. Importava mais a atmosfera alcançada por meio das canções. Palmas e frases exclamativas sempre ajudaram a proporcionar o clima desejado. Como a estratégia foi bem-sucedida, Maquiavel já pode ser ungido apóstolo.

Êxodo

Habituada a longos e irrelevantes debates, a ala tradicional desperdiçou ao menos as duas décadas seguintes gastando munição em especial contra guitarras e baterias. Assestaram contra alvos errados e perderam milhares de musicistas, o que ajuda a explicar a produção pífia e quase inexistente do segmento na atualidade. Alguém é capaz de enumerar grupos musicais influentes abrigados hoje nas fileiras batistas e presbiterianas, por exemplo?

Do outro lado do espectro teológico, as perdas também foram expressivas. Na década de 80 em particular, igrejas pentecostais forneceram metaleiras completas para bandas do florescente movimento gospel. O cardápio musical evangélico ganhou opções variadas, intensificando o trânsito interdenominacional. Como ouvir nos cultos o provecto órgão eletrônico com tantas igrejas oferecendo estilos musicais mais contemporâneos e atraentes?

Números

Acostumados na seara musical no máximo a avisar a congregação que só deveria entoar as estrofes 1 e 2 do hino, pastores tiveram de ceder espaço para os “ministros” de louvor. O modus operandi varia um pouco, mas normalmente tratam-se de caras bem-intencionados que, na falta do que dizer, pedem coisas estranhas como olhar para o lado e profetizar para alguém. Seria interessante publicar no boletim da semana seguinte os resultados da saraivada profética.

Um lencinho é sempre necessário se a ministração for conduzida pela ala feminina. Segundo o modelo vigente, chorar é sinônimo de consagração ou, em muitos casos, tristeza por ter de suportar um discursinho repleto de expressões vazias. Enquanto isso, outros continuam trazendo a arca (de Noé?) e outros elementos vetero-testamentários tão úteis para as celebrações quanto retalhos do véu rasgado. Preces para mexer com a estrutura mostram-se inúteis quando as musiquinhas são mera trilha sonora para buscar milagres e bênçãos. Ensina-me a ter paciência...

Atos

Bons de briga e ruins de teologia e prosódia, muitos líderes resistiram e tentaram alterar trechos de músicas considerados impróprios. Alheios ao imprimatur pastoral, compositores produziam pérolas do tipo “deixe seu complexo interior”. Aliás, no documentário do João Moreira Salles há um trecho dessa música em que a galera canta a expressão “inexpremíveis”. Certamente o ato falho remete à impossibilidade de se extrair conteúdo desse tipo de músicas, mesmo “espremendo” bastante...

Palmas deixaram de ser exclusivas para marcar o ritmo. Aludindo ao jargão de um televangelista, aplaude-se Jesus, a música especial e até a piadinha do pastor no meio da mensagem. Entre uma música e outra, as palmas efusivas ajudam a manter a atmosfera de “unção”, não permitindo que o clima de adoração diminua. Como ninguém pensou nisso em tantos séculos de igreja?

Apocalipse não

Paracelso, um famoso cientista suíço do passado, ajuda a clarificar minha indignação: “Não há nada na natureza que não seja venenoso. A diferença entre remédio e veneno está na dose de prescrição”. Mesmo que pretensamente purificadora, a água pode ser tóxica. Os afogamentos são causados por excesso de água, além de ela ser um elemento de considerável importância em casos de edema cerebral e pulmonar.

Por estranho que pareça, o veneno mais perigoso do mundo, a toxina botulínica, é usada hoje com efeitos terapêuticos e estéticos no botox. Como acontece na igreja contemporânea, o veneno ajuda a manter a boa aparência, quesito importante para manter o grau de atração em alta.

O problema é que os efeitos do botox duram apenas alguns meses, enquanto as doses musicais venenosas (ad)ministradas nos cultos não têm prazo para terminar. “Parece uma rosa, de longe é formosa...” Infelizmente, há consonância entre a “teologia” macediana de controlar Deus por meio de ofertas e o bonifrate divino movido pelos cordéis das declarações egoístas das músicas que embalam ovelhas subnutridas.

Da mesma forma que não se pode colher uvas dos espinheiros e figos dos abrolhos, boas intenções não são antígenos eficientes para aniquilar o potencial de letalidade existente. Se na canção da Rita Lee a erva venenosa apenas “achata bem a boca”, os trojans musicais têm poder de destruição bem maior.

É hora de atualizar o antivírus e de buscar expressões de louvor cuja qualidade remeta à excelência daquele que nos chamou para lhe prestar culto racional. Castelos fortes nunca resistirão se construídos na areia. Povo de Deus, declare isto. =)

texto meu publicado ontem no Portal Cristianismo Criativo.

9 comentários:

Luiz disse...

e eu achando que eu era um "herege"....

gerson ortega disse...

oi Pavarini...faz tempo que a gente não se ve!
Recebí sua " erva venenosa" por uma outra pessoa e resolvi passar por aqui...creio que muito do que vc escreveu é verdade.
Tenho lutado ha muitos anos para não me vender e, como preço, creio, bastante gente " gospel" não me conhece (da nova geração), mas alguns sim e andam junto com a gente!
Das tres décadas de ministério de musica, vejo tudo isso que vc falou , digamos, do lado " pentecostal" das coisas; mas tenho visto também coisas do lado não pentecostal que me assustam...o uso de nomes de igrejas, programas, etc, para fazer-se letra de musica. Alguns me disseram que " era profética" a letra da musica por " delatar" todo mundo...só que alguns dos que fazem essas letras não estão verdadeiramente lutando pela Igreja. Estão só trazendo mais cizânia, confusão, esquecendo que, se estão falando mal da igreja, estão se culpando a si mesmos, pois nós somos a Igreja, e não " eles ou elas" !!!! e mais: não sei nem se fazem parte de alguma comunidade local, igreja, assembléia, dê o nome que quiser, ajuntamento de irmãos, etc, onde estejam juntos, sejam parte, e lutem por um corpo de Cristo mais sadio, bíblico e também contextualizado...
estou tentando fazer minha parte.
Gde abraço.
Quando puder passe no meu blog www.gersonortega.com

Vitor Cid disse...

Hoje eu fui na IBAB e teve uma pregação do Gideão Alencar... casa muito com este texto e eu concordo demais com o que você escreveu Pava... é isso aí!

Unknown disse...

Pavarine, gostei muito do artigo e achei perfeito o comentário do Gerson, de quem sou fã desde o tempo do VPC. A gente tem visto (e ouvido) muita palha, mas Cristo nos lembra que o joio não será separado do trigo agora... Enquanto isso, queria sugerir que as suas críticas, muito inteligentes por sinal, venham acompanhadas de "antídotos" contra essa enorme variedade de "ervas venenosas", para que as ovelhas que lêem seu blog, percebam que existem alimentos muito mais saudáveis à disposição!
Grande abraço
Alex C.

em poucas frases disse...

Pavarine recebo em meu email seu jornal virtual, não sei como vc me achou, algum amigo meu fez essa ponte. Um dia eu substitui um professor na escola dominical e fiz um infeliz comentário: "Deus tem preferencia pelos pobres" fui fuzilado pelos alunos, quase todos universitários, entre eles uma cursando Direito, outro jornalismo. quase fui apedrejado. a teologia da prosperidade é tão perversa que já está entranhado, fazendo parte da corrente sanguinea de nossos jovens. Não quero pensar que tipo de adultos eles serão.

Renato disse...

(Antes de mais nada: amigo "em poucas frases", basta citar Tiago 2:5 pra eles, fim de papo...)

Pava, você arrasou, meu véio. Eu queria ter esse dom de escrever assim. O mais perto que eu cheguei, e mesmo assim passou anos-luz da sua genialidade, foi o "Perguntas retóricas" (I e II)... Parabéns!!

Renato (mineiro, vice-campeão da Libertadores da América)

Alexander disse...

Olá Pavarini, tudo bem ?
Respeito bastante as suas considerações e acho que elas estão de fato de acordo com o que temos visto. Muito do que vemos em nossos cultos apesar de ter roupagem espiritual não coincidem com a vida dos que ministram.
Porém não desprezo e nem acho que o tipo de culto que temos hoje: com os chamados Ministérios de Louvor, ministrações espontâneas etc. são ruins. Pelo contrário, quando conduzidas de forma genuinamente espiritual com vidas comprometidas em servir a Deus e à Igreja e com a benção pastoral, sinceramente, creio que Deus age poderosamente sim, se manifesta com milagres e prodígios, sim, profeticamente, sim. A questão que é importante aqui tem a ver com o que é e o que não é espiritual, o que procede ou não do Mover de Deus. E para isso é necessário um dom espiritual que infelizmente é pouco pedido por todos nós: o discernimento de espíritos. Sou pentecostal, creio nos dons espirituais nos nossos dias e sei que poucos pedem isso. Assim, no meio do "entusiasmo" das ministrações, devemos saber discernir e sobretudo buscar sermos canais de Deus para o povo e de edificação para a Igreja.
Um abraço.
Alexander

Anônimo disse...

AMEI O QUE VC DISSE:FUI POSTA PARA FORA DE UMA DENOMINAÇÃO, POR PREGAR SOBRE PECADO.DEUS SABIA QUE O PASTOR E SUA SENHORA E O CORPO DE LOUVOR FAZIAM A MESMA COISA. MAS TAMBÉM NÃO SO EU MAS MINHAS AMIGAS ESTAMOS COM MEDO DE FREQUENTAR UMA DENOMINAÇÃO. O POVO HOJE É VIDRADO EM PROSPERIDADE, E PECADO´PASSA LONGE. "LONGA VIDA PARA VOCE".

Deco disse...

Parabéns, seu texto é mto bom!!!
As pessoas cantam e se deixam levar pelos 'embalos musicais' sem meditar no que estão dizendo, se há fundamento bíblico ou não.
Nunca havia parado para pensar nas similaridas com o botox! rsrsrs
Foi excelente!

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