O filósofo americano Daniel Dennett cunhou uma expresssão da qual me tornei fã: “crença na crença” -(belief in belief). A expressão é boa, e a realidade que ela descreve é mais interessante ainda.
Seguinte: trata-se da necessidade de crermos em algo independentemente desse algo ser verdade ou não. Ou, muito mais sério , de continuarmos a crer mesmo sabendo que não é verdade!
Cremos porque queremos crer. A verdade “verdadeira” não tem apelo , só aquela que fabricamos. Suspeito que essa é a razão para a mentalidade científica não ser popular e ceticismo e racionalidade serem desprezados. Não são comerciais. Qualquer “sentimento” faz mais sucesso que um fato.
A primeira vez que me deparei com essa idéia foi num livro de Michael Schermer,um cético americano (eu acho)-”Por que as pessoas acreditam em coisas esquisitas” -(”Why people believe in weird things”). Ele conta que foi a uma palestra de um suposto paranormal que se comunicava com mortos e mandava mensagens para seus familiares. Fim da palestra , teatro lotado, Schermer subiu ao palco e mostrou como a performance tinha sido fraude do início ao fim. Desmascarou o cara. A platéia não reagiu no início.Depois vaiou. Depois quis agredí-lo. Ele teve de sair protegido.
Uma senhora aproximou-se dele:” pode ser falso, mas se não acreditarmos nisso acreditaremos em quê?”
Belief in belief. Aprendi que essa é uma atitude muito mais comum do que eu pensava-a verdade não é combustível suficiente para funcionarmos no dia-a-dia.
No seu livro “Why Darwinism is True” -Jerry Coyne fala da mesam coisa. Coyne é um especialista em evolução das espécies e autor do melhor livro sobre o tema (até agora). Seu livro traz provas cabais, irrefutáveis, definitivas, avassaladoras- da verdade da evolução. Ele conta que em suas palestras (para gente auto- intitulada ” sofisticada”) alguém sempre se aproxima dele no final com o mesmo papo:”Parabéns.Suas evidências são realmente irrefutáveis ,mas eu prefiro continuar com minha visão de que o mundo e as criaturas são obra de um Deus que seguiu um plano em sete dias”. Ou seja :”eu quero crer na minha crença, não me amole com a verdade“.
Richard Dawkins compara essa mentalidade com a de um cientista de verdade, que vibra e aplaude quando alguém refuta uma teoria (que se acreditava verdadeira) com base em evidência nova. Ciência é melhor do que ignorância , mas não “pega” nem dá IBOPE - preferimos “crer na crença”.
O mundo empresarial está cheio disso. O sucesso continuado dos Tom Peters e Jim Collins da vida, é fruto de “crença na crença“. Seus livros foram demonstrados falsos. Seus exemplos de empresas “excelentes” ou “great” foram desmoralizados por fatos. Seus conceitos de liderança são postos por terra todo dia. Suas desculpas depois que algum fato nega suas afirmações ,são patéticas… mas continuam a encher auditórios e a faturar milhões.
Não tem problema não dizerem a verdade. Nós cremos em crer. Acreditamos que crer neles é bom. Se não,afinal,vamos acreditar em quê?
Clemente Nóbrega, no blog Ideias & Inovação.
o princípio tb explica o tipo de crença que norteia a vida de muitos religiosos...
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3 comentários:
O autor desse texto anuncia a crença na verdade científica de uma forma triunfalista, dando a ela uma abrangência muito maior do que ela realmente tem, como bem disse Heidegger (aliás, um filósofo ateu): "a ciência é a nova religião dos tempos modernos". Wittgenstein disse que aquilo que realmente importa à realidade humana, a Ciência nem tangencia. Ciência, à la Carl Sagan e seu discípulo Richard Dawkins, não é ciência, é cientifismo. Mais uma filosofia. Suprema ironia: O autor de "Fé d+" é culpado do crime que ele mesmo denuncia. Realmente, temos uma tendência a crer no que gostamos de crer.
Corrigindo: cientificismo.
Olá. Indico uma resposta ao argumento de Nóbrega em http://artureduardo.blogspot.com/2009/07/analisando-crenca.html
Abraços.
Pr. Artur Eduardo
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