15.9.09

Acaso na vida é mais importante do que se pensa

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“Voltei-me para outra direção e vi, debaixo do sol, que a corrida não é dos velozes, nem, dos fortes, a guerra; nem, dos sábios, o pão, nem, dos instruídos, a riqueza, nem, dos prudentes, a graça, pois todos dependem do tempo e do acaso.”

(Eclesiastes 9,11)

Você é homem, americano, branco, heterossexual e não usa drogas. Corre o ano de 1989. Faz um exame de sangue, desses descompromissados e, após alguns dias, recebe a notícia: HIV positivo. O médico sente muito, mas a morte é inevitável. Se quiser, você pode fazer outro exame, mas a chance de que não esteja contaminado é bem pequena: uma em mil.

Aconteceu com Leonard Mlodinow, físico do Caltech (Instituto de Tecnologia da Califórnia) que já havia escrito o livro “Uma Nova História do Tempo” com Stephen Hawking. “É difícil descrever (…) como passei aquele fim-de-semana; digamos apenas que não fui à Disneylândia”, escreve em “O Andar do Bêbado”, seu novo livro, recém-lançado no Brasil.

Talvez o médico de Mlodinow fosse ótimo. Mas não serviria como estatístico.

Isso porque, em 1989, nos EUA, uma em cada 10 mil pessoas nas condições citadas estava infectada pelo HIV. Imagine que essas 10 mil fizessem exames. O único soropositivo receberia, possivelmente, uma notícia ruim. Mas, como um em cada mil exames dá o resultado errado, dez pessoas saudáveis também a receberiam.

Ou seja, nessas condições, de cada 11 pessoas que recebiam o veredicto “HIV positivo”, apenas uma realmente estava contaminada. A porcentagem de “falsos positivos” é dez vezes maior que a de “verdadeiros positivos”. Faria, então, mais sentido que Mlodinow não deixasse de ir à Disneylândia. No final, soube que não tinha HIV.

Mas dificuldades com probabilidades não são exclusividade do médico de Mlodinow. Humanos desprezam a presença do aleatório nas suas vidas –nossos cérebros são programados para achar padrões, mesmo quando não existem.

Isso vai desde coisas evidentemente desprovidas de sentido (como usar uma mesma meia velha em jogos do Brasil) até situações mais sérias.

Jegue estabanado

Nesse sentido, é muito comum considerar que sucessos ou fracassos são resultado exclusivamente da nossa competência. Em boa medida são, claro, mas quanta aleatoriedade está envolvida nisso?

Jogadores, vendedores, homens atrás de mulheres nas festas. Quase todas as atividades humanas estão sujeitas ao acaso. Os resultados se distribuem ao redor de uma média (alta, para quem é competente), mas existem dias bons (quando o centroavante faz três gols e se consagra) e dias ruins (quando o “pegador” volta pra casa sozinho).

Mas isso vale também para o mercado financeiro, por exemplo. Será que os investidores que ganham milhões na bolsa o fazem porque são competentes ou porque, em uma série determinada de anos, tiveram mais sorte -fazendo escolhas tão “chutadas” quanto muitos que tiveram menos sucesso?

Como exemplo, Mlodinow conta a história de Daniel Kahneman, psicólogo que em 2002 ganhou o Nobel de Economia. Como não se escolhe trabalho no começo da carreira, ele foi, nos anos 1960, ensinar aos instrutores da Aeronáutica israelense que recompensar funciona melhor do que punir erros.

Foi interrompido por um dos instrutores que o ouvia. Ele dizia que muitas vezes elogiou a manobra de um aluno e, na vez seguinte, o sujeito se saiu muito pior. E que, quando gritou com a besta que havia quase acabado de destruir o avião, ela melhorava em seguida. Os outros instrutores concordaram.

Estariam os psicólogos errados? Kahneman concluiu que não. Apenas que a experiência dos instrutores estava relacionada com a probabilidade.

A ideia dele era que os aprendizes melhoram a sua capacidade aos poucos, e isso não é perceptível entre uma manobra e outra. Qualquer voo perfeito ou qualquer pouso que leve embora meio aeroporto junto são questões pontuais, desvios da média. Na próxima tentativa, é alta a chance de que se retorne ao “padrão” central -nem fantástico, nem desastroso.

Então, diz Mlodinow, quando os instrutores elogiavam uma performance impecável, tinham a impressão de que, em seguida, o aluno piorava. Já se ele, digamos, esquecia de baixar o trem de pouso e escutava um grito de “seu jegue estabanado”, na próxima melhorava.

A pergunta por trás do livro é até que ponto não nos deixamos enganar por desvios da média como sinais de competência extrema ou de falta de aptidão para a vida. Quando um ator é descoberto de repente, após anos de fracasso, como Bruce Willis, ou quando alguém ganha muito dinheiro em poucos anos, como Bill Gates, qual foi a importância de estar no lugar certo, na hora certa? O andar do bêbado, sem direção consciente, acaba sendo uma ótima metáfora para os caminhos que tomamos na vida.

LIVRO – “O Andar do Bêbado: Como o Acaso Determina Nossas Vidas”
Leonard Mlodinow; trad. de Diego Alfaro; ed. Zahar, 261 págs., R$ 39

Fonte: FOLHA ONLINE Via: POIMENIA

2 comentários:

Anônimo disse...

Alei do acaso existe e sempre irá existir. Por exemplo:Será que Bill Gates sabia que ia ser bill Gates?
O problema é que só contamos os que deram certo, mas não costumamos contar os milhares que fizeram as mesmas coisas e estão mortos. Não contamos os que estão no cemitério. Depois que a coisa acontece, todo mundo fica escrevendo alguma coisa para justificar o sucesso. É o chamado viés do "Eu sou o bom"
Edson Vergilio - eavergilio@ig.com.br

Cristina Danuta disse...

Muito interessante. Já está na lista de próximas aquisições. =)

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