12.9.09

Cazuza, cronista do Brasil

Cazuza descobriu o Brasil. Escancarou a cara do país. A golpes de lâmina, é claro. Como convém a um poeta.

A navalha de sua “músicapoesia” cortou fundo. Deixou uma cicatriz para as cobaias de Deus continuarem seu (dele/delas) caminho. Afinal, ele disse: “o tempo não pára”, “a burguesia fede” e “o nosso amor a gente inventa”.

Cazuza foi farol na praia de uma geração que mal conhecia o blues, ignorava a prevenção da Aids e vivia porraloucamente a ‘abertura política’ (promovida de cima pra baixo – e por militares). O garoto rebelde e insatisfeito com a vida burguesa que herdara não hesitou em colocar sua dor e seu tesão nas paradas de sucesso.

Ao som do blues e colado ao corpo da amada ele pede: “me avise quando for a hora”. Gritando um rock primitivo desafia: “Brasil, mostra tua cara”. Nos anos 80 ele é a voz e poesia de uma geração que tivera na Tropicália sua última escalada sócio-poético-musical.

Um jovem bonito e cheio de vontades mete o dedo na ferida dos corações aflitos e das mentes politicamente insatisfeitas. Une amor e política no mesmo palco. Sem sucumbir ao panfletarismo de uma certa corrente ‘engajada’ da MPB, surgida à época dos festivais, mantém-se atento às denúncias e avanços do melhor do rock internacional. Mas não se descuida da excelente MPB dos anos 20, 30 e 40, não sem razão conhecida como “Época de Ouro”.

Antenado com o ontem e o agora, nunca hesitou em expor as dores de um eu-lírico dilacerado pelo desamparo, pela falta de amor, pela inadequação ao mundo: “você me quer? / você cuida de mim? / mesmo que eu seja uma pessoa / egoísta e ruim?” ele pergunta sem dissimulações, mergulhado na poeticidade da linguagem infantil de um certo Bandeira. Mas se no poeta pernambucano o lado frágil e criança emerge em situações bem-humoradas (como em ‘Madrigal tão engraçadinho’), em Cazuza o adulto volta à infância através da (fratura) da carência afetiva (exposta).

Talvez por isto mesmo um de seus discos se intitule “Só se for a 2”, o que aponta para a inclusão do outro no projeto deste sujeito primeiro. O outro aparece como possibilidade do eu safar-se do inferno. O outro é figura fundante e fundamental. É a possibilidade do céu na terra. Ainda que provisoriamente.

Mas quem é este outro? É o homem, a mulher, o governo, a família, a religião, a droga, o sexo; enfim, o escambau. O outro é complemento de aproximação e repulsa. Motivo de amor e escárnio. O outro é, de fato, complemento indispensável. Tanto a solidão pessoal como a marginalidade social são inimigos combatidos pela evocação do outro.

A não segregação entre indivíduo apaixonado e prática política é uma das metas mais almejadas pelos artistas. Infelizmente a maior parte sucumbe a um ou outro pólo. Com Cazuza não. Ele sente e sabe. Canta: “Meu partido é um coração partido”. Que deve ser entendido também como “Meu partido é um coração-partido”.

Por isto o eu de suas composições ama sobre jornais: retratos e representações da vida cotidiana. Política, lazer, economia, esporte, cultura, classificados. Todas as notícias, todos os assuntos, todos os temas se amalgamam em Cazuza

Assim, Rimbaud e Dolores Duran passeiam por suas letras e músicas de mãos, copos, drogas e corpos dados. Noel Rosa e Mick Jagger, idem. Lupicínio Rodrigues e Jack Kerouac são companheiros de estrada na busca desenfreada por sentidos para a vida nonsense. A busca por uma estabilidade emocional e sócio-política deste eu aflito encontra em Fassbinder e em Glauber Rocha a violência/virulência de imagens cinematográficas neobarrocas. Os ambientes soturnos de Fassbinder e o sol enlouquecedor de Glauber refletem-se/reverberam-se nos artifícios das letras e dos acordes de Cazuza. Viva Cazuza!

Amador Ribeiro Neto, no Cronópios.

5 comentários:

Anônimo disse...

a pontuacao eh baixa pq as pessoas julgam pq ele era um louco, porem assumido e nao hipocrita.

qta qualidade!


corre por ai que conheceu Jesus. Eu bem q desconfiava...

Anônimo disse...

As pessoas julgam o Cazuza porque ele era muito promíscuo, mesmo antes de seguir Jesus não gostava de baixaria, é uma questão pessoal, e só andava com o bafo, em mim dá nojo, amo os sons do Cazuza, mas não é normal as pessoas saírem com qualquer um em troca de sexo, pelo menos pra mim, na minha ignorância, já que é nisso que vocês acreditam serem os crentes.
Cristina Coelho

Anônimo disse...

Cristina,

Quem acredita que crente é ignorante? Graças a Deus há muita lucidez em meio a trevas. Como no passado, alguns se aproveitam da ignorância e falam coisas erradas em diversos lugares.
Acho que a questão é: as pessoas acabam vendo o Cazuza e tendo preconceito. Aí não reconhecem o grande artista que ele era e também focam no pecado da pessoa. Mas ele foi mestre em detonar a hipocrisia.
No fundo, eu creio que a sociedade vai atrás de "loucos" para fugir de uma realidade insana.
Acho que nisso está a loucura da arte. No meio de um mundo insano, você vai atrás de caras que falem uma verdade.
Tá aí um benefício do Cazuza: falar a verdade. Coisa que as vezes é difícil no meio "gospel".
Talvez eu vá cometer uma heresia, mas tinha horas que parecia que o Cazuza profetizava.
"Brasil, qual o teu negócio o nome do teu sócio, confia em mim"

....

A nova investida dos bancos: Você pastor, não corra risco, aprenda a fechar câmbio com a gente!

Jussara disse...

Muitas verdades são ditas por bocas de mulas, isso não significa que devamos endeusá-las.
O talento de uma pessoa não deveria ditar regras de seu comportamento. Mas, numa sociedade de seres impensantes acaba sendo parâmetro.

Anônimo disse...

Uma psicóloga que assistiu ao filme escreveu o seguinte texto: 'Fui ver o filme Cazuza há alguns dias e me deparei com uma coisa estarrecedora.. As pessoas estão cultivando ídolos errados..
Como podemos cultivar um ídolo como Cazuza?
Concordo que suas letras são muito tocantes, mas reverenciar um marginal como ele, é, no mínimo, inadmissível.
Marginal, sim, pois Cazuza foi uma pessoa que viveu à margem da sociedade, pelo menos uma sociedade que tentamos construir (ao menos eu) com conceitos de certo e errado.
No filme, vi um rapaz mimado, filhinho de papai que nunca precisou trabalhar para conseguir nada, já tinha tudo nas mãos. A mãe vivia para satisfazer as suas vontades e loucuras. O pai preferiu se afastar das suas responsabilidades e deixou a vida correr solta..
São esses pais que devemos ter como exemplo?
Cazuza só começou a gravar porque o pai era diretor de uma grande gravadora..
Existem vários talentos que não são revelados por falta de oportunidade ou por não terem algum conhecido importante.
Cazuza era um traficante, como sua mãe revela no livro, admitiu que ele trouxe drogas da Inglaterra, um verdadeiro criminoso. Concordo com o juiz Siro Darlan quando ele diz que a única diferença entre Cazuza e Fernandinho Beira-Mar é que um nasceu na zona sul e outro não.
Fiquei horrorizada com o culto que fizeram a esse rapaz, principalmente por minha filha adolescente ter visto o filme. Precisei conversar muito para que ela não começasse a pensar que usar drogas, participar de bacanais, beber até cair e outras coisas, fossem certas, já que foi isso que o filme mostrou.
Por que não são feitos filmes de pessoas realmente importantes que tenham algo de bom para essa juventude já tão transviada? Será que ser correto não dá Ibope, não rende bilheteria?
Como ensina o comercial da Fiat, precisamos rever nossos conceitos, só assim teremos um mundo melhor.
Devo lembrar aos pais que a morte de Cazuza foi consequência da educação errônea a que foi submetido. Será que Cazuza teria morrido do mesmo jeito se tivesse tido pais que dissesem NÃO quando necessário?
Lembrem-se, dizer NÃO é a prova mais difícil de amor .
Não deixem seus filhos à revelia para que não precisem se arrepender mais tarde. A principal função dos pais é educar.. Não se preocupem em ser 'amigo' de seus filhos.
Eduque-os e mais tarde eles verão que você foi à pessoa que mais os amou e foi, é, e sempre será, o seu melhor amigo, pois amigo não diz SIM sempre.'
Karla Christine (Psicóloga Clínica)

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