Marina, o coice de pégaso e a obsolescência do PT
Assisti ontem a trechos da entrevista da senadora Marina Silva (PV-AC) no programa Roda Vida, da TV Cultura. Digo “trechos” porque Marina nos desafia, a cada frase de 5.785 palavras, a demonstrar que não padecemos de DDA - Distúrbio de Déficit de Atenção. E, antes que reclamem, não estou fazendo blague com o problema, não. Mas ela é um desafio mesmo. Indagada sobre qualquer assunto, somos tragados por uma pletora de substantivos abstratos, somados a alguns termos técnicos um tanto modernosos do meio ambiente, e lá vem uma coisa densa, caudalosa, como se Pégaso escoiceasse Hipocrene, e ela começasse a jorrar aquela cascata fértil, contínua, interminável… Ah, sim, farei um elogio a ela. Mas só depois.
Aquele jorro poético que mistura o bagre, as populações indígenas, os sedimentos, as licenças ambientais mais as preocupações todas da agenda do novo milênio se combinam naquela figura de aparência frágil, com ar meio beato, a voz um tanto sumida… Ontem, ela estava sem o xale. Eu adoro sacanear o xale de Marina. Mas ela está mudando. E como! Eu diria que ela está se preparando. Já chego lá.
A Marina meio humilde, sabem?, que Lula tinha a ambição de carregar no governo como o tributo que os vícios (vício, no governo Lula, só no plural) pagam à virtude foi ficando para trás. Eleonora de Lucena, editora-executiva da Folha, mandou ver: “A senhora vai manter a política econômica se for eleita? Vai manter o Meirelles no Banco Central”? E Marina, então, sorriu o sorriso de quem enxerga a política num outro patamar. Vitoriosa, deu a entender que essas preocupações, digamos, mundanas, estão superadas. De jorro em jorro, chegou a Barack Obama e à nova agenda, que é a sustentatabilidade. Entendi que mordomos invisíveis administrariam a casa (cito Fernando Pessoa), enquanto ela cuidaria desses temas do futuro.
Mas Marina pode ter vindo para ficar. Se não for agora, mais adiante. Ela deixou bem claro que não é Heloísa Helena. Coloca-se como a candidata não do “pós-Lula”, não. Mais ousada, ela se disse uma política do “pós-16 anos”, reconhecendo que houve avanços nos oito anos de FHC e também nos oito de Lula, que deu continuidade ao governo do antecessor. Com essa simplicidade, desmoralizou o discurso petista. “Então a senhora não concorda com esse história do presidente de que tudo começou com ele?” Aí Marina foi, com efeito, de uma inteligência matadora. Disse o seguinte (repito o conteúdo, não as palavras exatas): “Há o discurso, a retórica, e há o que as pessoas fazem. O presidente tem esse discurso, mas importa o que ele fez, e ele deu continuidade”. Ela falou como quem tentava elogiar…
Marina antipetista? Não! Marina não é antipetista.
Marina antitucana? Não! Marina não é antitucana.
Marina antiprodução? Não! Marina acredita que é possível produzir de modo, como direi?, ambientalmente correto.
E vai se constituindo como uma figura complexa da política. “Progressista”, não entra no discurso fácil e bocó da descriminação das drogas. Amada por uma fatia das esquerdas, não entra no oba-oba do aborto “como direito da mulher”. Prefere um plebiscito. E sugere, quase com candura, que acreditar em Deus não é pecado. Nega que tenha apoiado o criacionismo nas escolas e diz que os estudantes têm o direito de escolher a melhor versão para o origem do mundo. Mas ela mesma acredita que Deus criou todas as coisas. É de deixar histéricos os remelentos e as mafaldinhas (e mafaldonas)… do jornalismo!
Os “verdes” têm encomendado pesquisas. Querem saber como o público vê a imagem de Marina. Nas vezes em que consegui acompanhar suas respostas sem me distrair com outra coisa, é visível que procura se colocar o tempo inteiro como alguém racional, que não está preocupada apenas como o meio ambiente. E sorri daquele jeito enigmático quando alguém tem o mau gosto de lhe fazer perguntas tão absurdas como “a senhora vai manter a política econômica?” Ah, isso é coisa de segunda linha…
O fato é que me ocorreu uma coisa enquanto mais ou menos a ouvia — e procurarei desenvolver isso com mais cuidado futuramente. Marina evidencia a cafonice “produtivista” (emprego a palavra num sentido que Gabeira usa às vezes) de Lula; ela evidencia a obsolescência do PT como mensageiro de utopias. E, por óbvio, que se constate: se ela não estiver no segundo turno, já está claro que nada a impede de apoiar o candidato do PSDB caso ele esteja. Afinal, os primeiros oito daqueles 16 anos que ela declarou virtuosos foram comandados pelo PSDB.
Já imaginaram um eventual governo Serra com Marina Silva no Meio Ambiente, a santa da floresta que Lula chutou? É de fazer tremer a burocracia comandada por Ricardo Berzoniev. Lula é um animal político de rara sensibilidade. Ele detesta Marina porque ela prova que ele está velho — refiro-me, é óbvio, à velhice da “mensagem”.
Não por acaso, ele saiu da vida para entrar na ficção. Lula quer ser aquele cara do filme da família Barretão!
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