17.10.09

Vaga preferencial

Há casamentos que terminam pelo freio de mão puxado. É o que já escutei por aí, nas mesas dos botecos menos respeitados.

O freio de mão sempre foi uma arma contra lombas. Para quem não confia na embreagem. Para quem tem medo de descer ribanceira abaixo e bater no veículo de trás.

É saída de emergência dos motoristas cautelosos. Uma prevenção contra desastres e buzinaços. Não é algo que será ensinado na autoescola, consiste num mecanismo quase instintivo, um último recurso corporal. Como mexer desesperadamente os braços na água. Como gritar na hora do assalto.

Não é para ser empregado ostensivamente, requer economia e parcimônia, assim como não pode ser lavada diariamente a fronha do travesseiro. Fronha gostosa é aquela que guarda o nosso tato.

No amor, o freio de mão assumiu um significado trágico, sinônimo de conversa travada, arrastada, sem surpresa. Quando os casais estão prestes a se odiar por escrito, tão cansados da voz um do outro.

Na Vara de Família, é a desculpa mais frequente: “Não existe chance de reconciliação, o freio de mão está puxado”. A juíza nem discute – conclui que é um caso irrecuperável.

Vem sendo a justificativa unânime na entrega das alianças, dividindo a vilania sexual com a impotência e o pijama listrado.

Não entendo desse modo, na minha mania de ouvir errado para falar certo. Ou de falar errado para ouvir certo.

Ao estacionar o carro, puxei o freio de mão com excesso de força. Provoquei um rasgo. Trammmmm. Um estrondo de relâmpago. Primeiro o som seco, para depois o rugido se espalhar pelos lençóis subterrâneos. Dava para contar os segundos e descobrir onde o raio caiu.

Minha namorada virou o rosto de súbito. Ela me observou espantada, carente como vendedor de flores na sinaleira. Pensei que me criticaria pela grosseria. Jurei que me denunciaria para o Detran.

O tranco poderia ter deslocado algum osso, lembrança, pensamento dela. Não são aconselháveis movimentos bruscos.

Mas percebi em seguida uma malícia imprevista em seu olhar, um assanhamento de íris, as covinhas do riso estavam mais fundas e convidativas. Havia uma tensão que não era desconforto. Pelo contrário, predominava um suspense, uma hesitação longa de descoberta.

E ela pediu o que não esperava.

– Faz de novo?

– Como?

– Faz de novo, faz?

E repeti mais duas vezes, escandalizando a alavanca. Seus ouvidos foram deitando, atentos, acelerados de silêncio.

Ela suspirou dentro do gemido. Disse que foi viril. Muito viril.

O que me põe a concluir que o freio de mão é um afrodisíaco. Excita. Arrebata. Pára a vida por um bom motivo.

Fabrício Carpinejar
arte: Peter Blake

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