Não tolera os sucessivos vexames. Vem pedir conselhos ao seu pai. Ou melhor, apoio. Na verdade, ninguém quer conselho.
Ela jantava na casa dele quando toca o ringtone Fuck You, de Lily Allen. No outro lado da linha, sua mãe não diz oi ou faz qualquer teste no microfone; pergunta furiosa onde é que ela estava e por que não havia voltado ainda. A voz é de megafone (dentro da garganta materna, resiste o grito ancestral para avisar do almoço). O namorado ouviu inclusive o tututu da ligação. Envergonhada, ela regressou ao lar e a briga continuou. As explicações para a troca de ofensas são as mesmas da pré-história da psicanálise: a menina anda distraída, não colabora com as tarefas do apartamento e não ama a família.
Sempre que a mãe desliga o telefone na cara da filha, a filha vai se vingar e bater a porta na cara da mãe.
Infelizmente, não concordei com minha adolescente. Poderia ser uma chance de ganhar terreno como pai separado, angariar simpatia e abrir uma campanha para que ela morasse comigo. Contexto fértil para realizar meu sonho paterno e trocar o porta-retrato da escrivaninha pelo rosto inteiro dela em meu ombro.
Mas não consegui. Sua mãe tinha razão.
– Ela está ferrando meu namoro, pai?
– Não, ela vem ajudando.
– Fica lembrando de que mamei até os dois anos, que larguei tarde o bico, do meu medo de escuro, da minha bagunça...
– Que bom, que bom.
– Chegou a mostrar para o Pedro minha foto de bebê, nua, tomando banho de mangueira...
– Que bom, que bom.
– Bom? Tá de gozação, né? Ficou do lado dela?
– É ótimo, não existe namoro sem oposição. Ela entusiasma o relacionamento, precisa da cumplicidade dele para enfrentá-la.
– O quê?
– Sim, vocês têm um inimigo em comum: os pais. O amor cresce com a resistência.
– Tá maluco?
Minha filha não entendia. O que seria de Romeu e Julieta sem o ódio familiar? Imagine a família Capuleto convidando Romeu para um churrasco no domingo? Acabava a atração de Julieta na hora de servir o salsichão e o coraçãozinho. Ele se tornaria um irmão, manso e amistoso como uma salada de batata. Contrariar é aumentar a expectativa e fortalecer os segredos do casal. Sem atrito, não haveria serenata, encontros fortuitos e a insônia pela chegada de um mensageiro na peça de Shakespeare. Não restariam dificuldades, nenhuma prova de amor, a trepadeira permaneceria intacta no jardim. Tudo acabaria com comentários futebolísticos entre o sogro e o genro na frente da televisão.
– Sabe como a gente poderia realmente terminar seu namoro?
– Tenho medo de saber...
– Eu chamaria Pedro para uma conversa e diria: “Estou muito feliz que está cuidando de minha filha, conte com minha confiança, sinto que é a pessoa ideal, há muito tempo eu aguardava um cara sério e comprometido, já passei a economizar para fazer uma grande festa de casamento e providenciei um enxoval com as iniciais de vocês”.
Agora, quando visita o namorado e recebe um telefonema de sua mãe, minha filha atende o celular no viva-voz.
Fabrício Carpinejar
arte: Matisse























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