1.12.09

Arsênico

DEVO ESTAR atravessando um período masoquista. Depois da experiência "2012 retardados", que partilhei com você, caro leitor, na semana passada, no final do feriadão da Consciência Negra assisti na TV a cabo a outro lixo, "O Dia em que a Terra Parou", com Keanu Reeves no papel de um ET. Ele é, claro, melhor do que nós, humanos bárbaros.

Para salvar a Terra, ele deve matar 6 bilhões de pessoas. Mas por quê? Porque nós estamos destruindo o planeta, por isso, devemos morrer para salvar as baleias, as baratas e os sacis. O Keanu-ET é uma espécie de "fundamentalista verde intergaláctico" que, por "ser bonzinho", prefere os percevejos aos humanos.

O ET verde só desiste de nos matar "em nome do bem dos siris" quando provamos pra ele que "yes, we can change" (sim, nós podemos mudar) -mantra obamista. O incrível é que tem gente que acha isso legal: nós somos maus, mas os insetos são dignos de redenção cósmica. Está vendo, caro leitor? A cada minuto nasce um retardado entre nós.

Falando em Consciência Negra, sempre achei essa história do "santo Zumbi" mal contada. O fato é que as mesmas pessoas que criticam as vidas de santos católicos em nome da "verdade histórica" caem na mesma armadilha, produzindo hagiografias (vida de santos) ao sabor de suas próprias manias políticas, como no caso de Zumbi, Lamarca, Che Guevara. Quer saber? Prefiro os santos católicos.

Ouvi dizer que Zumbi tinha seus escravos em meio a sua "Nova Atlântida". Incrível! Já sabia, por fonte segura, que muitos escravos, quando ficavam livres e tinham dinheiro, apressavam-se em comprar também seus escravos. Danadinhos...

Não que eu seja contra o feriado da Consciência Negra, muito pelo contrário, "minha religião" é a favor do maior número possível de feriados, pouco importa em nome da consciência de quem for. Não sou esse tipo de pessoa que discursa contra feriados para fingir que é produtiva. Pelo contrário, quanto mais dias nacionais da preguiça, melhor.

Mas eu dizia que o feriadão não foi de todo perdido para minha pobre alma filosófica. Entre outras coisas boas, li o "LTI - A Linguagem do Terceiro Reich", de Victor Klemperer, (Contraponto). Magnífico, deveria ser lido por toda essa gente com pendores fascistas que anda à solta por aí. Termos como "construção de um novo homem", "nova consciência", "autoestima nacional", "nova cultura", "a força jovem" e "novo futuro" são de raiz fascista. Ouvi e li muitos deles por ocasião da Consciência Negra.

Entre tantas coisas importantes, uma que me chamou atenção foi o fato de que, segundo Klemperer, a linguagem do Terceiro Reich era pobre no que se refere a descrições da natureza humana.

Sei que tem gente que tem alergia a essa expressão, "natureza humana", mas tomem alguma medicação quando ouvi-la, como eu faço quando ouço coisas que me aborrecem por aí, como "construção social de novas subjetividades".

Dentro de sua mania de "redefinir" os significados das palavras, os nazistas descreviam a natureza humana apenas dentro do modelo que lhes era interessante: força, solidariedade coletiva, pureza, saúde, eficácia, fidelidade ao grupo. O efeito desse processo (comparado a doses homeopáticas de arsênico para o espírito do povo alemão da época) era o estreitamento da visão da natureza humana, visando a exclusão das contradições que nos caracterizam. São essas contradições que os retardados não suportam.

Incrivelmente, diz Klemperer, a Alemanha não parecia ter muitos recursos mentais para resistir à concordância em massa com esse empobrecimento da linguagem.

A pergunta é: teríamos nós hoje? A tendência da linguagem a se tornar pobre é sempre presente quando nos lançamos em campanhas que visam a construção social de comportamentos, pouco importa o sistema de governo, porque uma língua empobrecida é uma língua envenenada. O que nos enriquece são nossas contradições, nossos erros. Por isso, sempre serei contra qualquer tentativa de construir um "novo homem"; prefiro o "velho homem" e suas misérias.

Quer um exemplo de contradição? Se Zumbi, depois de sofrer o horror da escravidão e de ter conseguido fugir desse horror, tiver comprado escravos para seu uso, aí sim, ele é um nosso igual, com o mesmo rosto. O nosso rosto. Sombrio, às vezes corajoso, às vezes cruel, sempre imperfeito.

Luiz Felipe Pondé, na Folha de S.Paulo.

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