Foi para comprar panetone.
- José Roberto Arruda
"Se houvesse um verbo significando 'acreditar falsamente', ele não faria nenhum sentido na primeira pessoa do presente do indicativo"
- Ludwig Wittgenstein
Por quão tolos os políticos nos tomam? Eles acham que acreditamos em qualquer coisa? Aparentemente, sim, pois a procissão de desculpas esfarrapadas desfrechadas por homens públicos pegos com a boca na botija tem caráter suprapartidário e transcende as linhas ideológicas conhecidas.
Num breviário que não tem a menor pretensão de esgotar o tema, primeiro vieram os "recursos não contabilizados", vulgo "mensalão", do PT, cujo precursor, agora se sabe, havia sido o tucano Eduardo Azeredo. Poderíamos também citar as prodigiosas vacas do senador peemedebista Renan Calheiros ou as traquinagens do clã Sarney. "At last but not least", há que lembrar a famigerada Operação Uruguai, engendrada pelo então PRNista Fernando Collor de Mello (acho que o partido nem existe mais, embora Collor já se tenha tornado aliado de Lula).
Na verdade, providenciar explicações inexplicáveis é um comportamento tão disseminado que muitos dão-se ao luxo de reincidir --o que não deixa de depor contra o eleitorado. O próprio Arruda é um caso de obstinada perseverança. Em 2001, acusado de ter violado o sigilo do painel eletrônico do Senado numa votação, o então garboso líder tucano subiu à tribuna para, num discurso para lá de veemente, jurar sua inocência. A candidez não dourou mais do que alguns dias. Desmentido pelos fatos, voltou ao púlpito, onde, em lágrimas, proclamou: "Não matei, não roubei e não desviei recursos públicos". Como se vê, era uma questão de tempo. Para tornar curta uma história longa, Arruda renunciou para não ser cassado, trocou o PSDB pelo DEM e sagrou-se deputado e depois governador do Distrito Federal.
Deixemos, porém, a história do Brasil um pouco de lado e nos concentremos por um momento na história da mentira. Se dissermos que ludibriar é uma segunda natureza do homem, não estaremos exagerando. E não apenas do homem. O primatologista Frans de Waal, em seu "Origins of Right and Wrong in Humans and Other Animals" relata histórias de gorilas e chimpanzés que tentaram ludibriar seus companheiros ou cuidadores para obter algum tipo de vantagem. Isso implicaria que esses primatas já contam com alguma espécie de teoria da mente, pois, para buscar impingir falsas suposições a um interlocutor, é necessário saber que ele tem crenças que podem ou não corresponder à realidade.
No caso humano, o gosto por faltar com a verdade parece vir naturalmente. Crianças começam a mentir já por volta dos três anos, idade em que ainda não conseguem proceder a maquinações relativamente sofisticadas como "o que eu devo fazer para escapar à punição". De acordo com Laurence Tancredi, em seu interessante "Hardwired Behavior: What Neuroscience Reveals about Morality", crianças mentem por diversos motivos, que incluem, evitar castigos, mostrar-se a seus pais sob uma luz mais favorável ou simplesmente porque contar histórias fantasiosas e eventualmente enganar os outros pode ser divertido. A excitação que sentimos ao ludibriar um semelhante é comparável à de adquirir uma pechincha num leilão.
E não são apenas as crianças que mentem. Tancredi elenca uma série de trabalhos feitos nos EUA que mostram que 60% das pessoas mentem regularmente, numa média de 25 vezes diárias. A maioria delas, embora não todas, são o que a língua inglesa chama de "white lies", mentiras relativamente inconsequentes, como elogiar a comida de nossa anfitriã mesmo que a tenhamos considerado intragável. O objetivo aqui é evitar que outros experimentem situações constrangedoras. Esse é um tipo de mentira que podemos considerar socialmente necessário. Leia +.
Hélio Schwartsman, na Folha Online.
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