19.12.09

Minha catequista

Intelectual traz o ateísmo como pré-requisito. Confiar em Deus é sinônimo de ingenuidade, de burrice, de falta de conhecimento histórico.

Parece que estamos sendo enganados, no fundo do poço e nos agarramos no desespero da reza. Entre os amigos incrédulos, é previsível que pintará Darwin na discussão para mostrar que a Bíblia não aconteceu. Concordo que a Bíblia não aconteceu, é uma parábola, ela está acontecendo sempre. Agora, por exemplo.

Eu acredito em Deus, posso perder os leitores antes do sermão. ACREDITO. Porque tive uma catequista, Ester, que acreditou em mim.

Só acredita em Deus quem um dia foi acreditado.

Ester não me obrigou a colocar agulha no coração de Jesus, a purgar confissões de joelhos, não dobrou a culpa pelos meus pecados, não retorquiu minhas distrações, não censurou minha liberdade de ação, não me pediu para não morder a hóstia, nem me coibiu a não pensar bobagens. Ela me aceitou inteiramente, como sou e não sou. Ela me convenceu com uma única virtude (e tinha várias): o senso de humor.

Nunca conheci alguém com tamanha gentileza. Ela falava baixinho e sorria para explicar passagens dos evangelhos. Eu me aproximava para ouvi-la melhor. Ouvir mais o riso do que a voz. Seus olhos se apequenavam, chineses, cordiais, antecipando a gola branca da primeira comunhão.

Não era inquisidora. Não abria inquéritos dos defeitos. Havia uma leveza que não existe no moralista.

Eis o grande problema do moralista: ele não ri. Repare. É azedo, carrancudo, quer nos passar a limpo, não se duvida em nenhum momento, age como um exterminador dos erros, um desfragmentador de disco. Quem não ri não inspira confiança, sugere uma vida mesquinha e ingrata, com as escolhas decididas pelo medo.

E Ester é feliz. Feliz com os filhos e netos. Feliz com as suas amizades. Feliz à toa como um grão de mostarda tingindo o bico de um pássaro. E não disputava para ser mais certa do que uma criança de sete anos. Não me inferiorizava com sua sabedoria e suas metáforas, ela me incluía em sua fé.

Preservo a inocência auditiva daquela época, não duvido do invisível da infância.

No momento em que uma criança diz enxergar fantasmas, duendes, gnomos e amigos imaginários, os pais têm o hábito de duvidar da veracidade, caçar ajuda médica, recorrer à assistência escolar, não dormir jurando que é um problema de personalidade. Além de alegar que essas coisas não existem, questionam o valor da própria imaginação.

O ceticismo adulto desestimula que o pequeno supere as aparências, que enriqueça o cotidiano com mistérios e poesia. Bloqueia a fantasia logo no esplendor de sua espontaneidade, como a provar que somente importa o que é real e o que pode ser comprado.

Evidente que o filho não vai acreditar em Deus, o grave é que não vai acreditar em si.

Fabrício Carpinejar
arte: Gerhard Richter

2 comentários:

Moisés Lourenço Gomes disse...

A bíblia ‘não aconteceu’ tanto quanto Deus nunca existiu.

Jesus nada provou. Apenas se revelou como o óbvio para os que crêem com ou sem informação histórica. Veracidade da informação discutível ou não.

O paradoxo de Deus é: ser real, sem existir.

O paradoxo de Cristo é: ser o reconciliador da história da existência antes dela irromper.

O paradoxo de Jesus é: deixar-se existir, tornando-se insuficiente na existência como o ‘Deus que existe’ mesmo a despeito do seu reconhecimento histórico.

O que faz Deus ser real a percepção humana independe do reconhecimento histórico e da veracidade da informação.

Quem vê Deus, não o viu; tornou-se como ele. Deus pode ser mais real num bom ateu do que num mau crente.

Difícil de entender? E quem disse que era para ser fácil?

Quem disse que deveríamos ver para crer, entender para saber?

Eu creio em Deus.
‘Eu sei Deus’.

Queremos ver e entender para departamentalizar.

Muitos ‘perseguidores’ de Deus se sentarão a ‘Grande Mesa’ porque sempre creram e ocuparão os lugares de muitos evangélicos, por exemplo, que pensaram que creram.

Se os cristãos desistissem de provar Deus, o encontraria em pessoas diferentes, culturas diferentes, lugares diferentes.
Se os cristãos desistissem de provar Deus, muitos outros o encontraria em Jesus Cristo.

A demografia dos filhos de Deus seria reconhecida numa espécie de Pangéia da existência, nem fronteira, sem tantos confrontadores entre si, sem tanta rivalidade e sem tantos grupinhos ordinários feitos em séries.

Quem crê em Deus, crê independente de saber que crê. Se eu fico sabendo, bem aventurado sou, logo, digo: eu creio!

Valeu Sérgio Pavarini!
Belo texto do Carpinejar!

Chicco Salerno disse...

Continuo pensando que o que importa não é se acreditamso em Deus, mas se Ele acredita em nós.

Ele continuará sendo Deus crendo eu, crendo nós ou não Nele; porém, quando nem Ele acreditar mais em nós, o que seremos, o que somos?

Deixaremos de ser humanos...

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