12.12.09

O humor do fodido

O mau humor é o melhor antídoto que existe. Nada como tomar o café da manhã com uma mulher irritada, ser passageiro de um motorista que vive reclamando do trânsito, conversar com um carrancudo que destila ódio para a classe política. São companhias estimulantes, afrodisíacas. Além de tudo, bem informadas. O pessimista é uma enciclopédia vendida de porta em porta. O otimista é que não lê jornal.

O otimista é frouxo, repete as mesmas frases evasivas e genéricas como “precisa acreditar” ou “tenha esperança”. O pessimista é pessoal, persuasivo, abrirá seus segredos com desembaraço. O otimista rende somente auto-ajuda. O pessimista proporciona alta literatura.

Guardo deslumbramento auditivo diante das pessoas que não respondem tudo bem no cumprimento. Enchem as vogais para declarar "tudo péssimo". Puxo a cadeira mais próxima e me sento com reverência porque percebo que descobri um corajoso no mundo, que vai se confessar com absoluta sinceridade, que tem vida própria e casa alugada.

O azedume é a inteligência em estado bruto. Aplaudo a loquacidade da tristeza. Desespero quando não fala é fatal. Desespero que esperneia é manso. Nunca fui de brigar, por exemplo, mas de espernear. Queria ser segurado pelos colegas antes de apanhar. Minha honra fez teatro na escola.

O mau humor do outro me deixa eufórico. Recebo uma sensação de paz que encontrei uma vez, ao soltar folhas de livro inédito no Rio Sena, apesar de não ter estado em Paris.

Do veneno alheio, surgirá sabedoria, ensinamento, conselhos. Quase uma aula de ecologia sentimental.

Orgulho-me desse humor muito brasileiro, incomparável. Daquele cara que deu tudo errado e ainda está achando graça. Sofreu enchente, deslizamento, seca, foi corneado e não se entrega. Não fechará o negócio, a cara, a amizade. É o que não tem motivos para rir e está rindo. Seu riso é perigoso. Seu riso é ofensivo. Seu riso é o caráter do pulmão.

Não confio em sujeito com felicidade de sobra. Será avarento e indiferente. Quem tem esconde. Unicamente peço dinheiro emprestado ao amigo que já faliu. É um pré-requisito que não costuma falhar.

Eu me interesso pela falta de explicação da alegria. Viva o humor do fodido. É o único que sobrevive às tragédias. Não ficará traumatizado, arrumará uma piada no acidente. Não ficará encastelado no quarto, pagará uma rodada ao pessoal do balcão.

A desgraça o torna generoso. Repentinamente natalino.

Meus grandes amigos estão cansados de recados, cada dia é um ultimato. Odeiam quando a atendente pergunta de onde são. Têm rancor por essa mania de rodoviária que atinge a maior parte das secretárias.

Meus grandes amigos são mórbidos. Compraram o jazigo na juventude. Os que pensam na morte cedo demoram a morrer. Preparam-se com tanta antecedência que perdem a hora.

A maldade preserva e o bem só traz rugas.

Posso garantir, todo santo estava acabado aos 40 anos.

Fabrício Carpinejar
arte: Henri Rousseau

3 comentários:

Felipe disse...

Brilhante :)

Sávio Heringer disse...

Muito bom o texto.

Eu sempre acreditei mais em sujeitos com o pessimismo e sarcasmo de um Nelson Rodrigues - rsrs.

Gustavo disse...

Nem consegui acabar de ler...

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