12.12.09

Os motoboys e eu

Tive minha primeira moto aos dezoito anos, uma Honda 450 importada, muito antes das CBs 400 e 450 nacionais chegarem ao mercado. Tive várias outras, até minha esposa ficar grávida de nossa primeira filha. Vinte anos depois, já morando em São Paulo, comprei uma Honda Shadow 750 e logo depois troquei por uma Harley Davidson Dyna de 1.600 cilindradas.

Minha intenção era rodar somente aos fins de semana. Afinal, quem era louco de pilotar uma Harley todo dia para ir ao trabalho (moro a 25 kms do local de trabalho). Mas, após ter sido assaltado duas vezes no táxi, a caminho de casa, resolvi que andar de moto era mais seguro em São Paulo, especialmente se vestisse uma camisa do Corinthians, hehehe!

Foi quando tive que encarar os motoboys. Há cerca de 250 mil deles em São Paulo, a quase totalidade usando motos de 125 a 250 cilindradas, pequenas, ágeis, econômicas embora não velozes. As 125 mal chegam a 110 km/h. As 250 podem chegar a 130 km/h. Mas, no trânsito de São Paulo, por causa dos longos e constantes congestionamentos, não existe nada mais rápido do que os motoboys. São mais rápidos inclusive que os carros de polícia e ambulâncias e chegam a ficar irritados quando têm que ficar presos atrás deles no trânsito.

A maioria dos motoboys é composta de jovens entre 18 e 25 anos (alguns não têm nem carta de motorista) que nunca tiveram um carro e não sabem como um motorista pensa. A maioria trabalha por entrega. Isto quer dizer que quanto mais rápido fizerem uma entrega, mais ganharão.

Há várias categorias de motoboys. Há os que trabalham para firmas de entrega, com carteira assinada e vários benefícios, e que costumam se comportar relativamente bem no trânsito por não serem tão pressionados na entrega das encomendas. Depois, há os “cachorros loucos”, aqueles que trabalham por pacote entregue e que não têm este apelido à toa... e tem os entregadores de pizza, que costumam estar entre os mais loucos.

Motoboys andam entre os carros a 80 a 100 km/h nas marginais, quando o trânsito trava e os carros formam uma longa avenida entre as duas primeiras filas do lado esquerdo. O terror dos motoboys são carros que resolvem mudar de faixa sem avisar, ou que avisam em cima da hora, ou que simplesmente apertam a faixa deles, ocupando a meia pista onde eles transitam. As reações são diversas, mas incluem buzinadas, aceleradas, xingamentos, chutes no espelho e em casos mais graves, capacetadas no capô ou no pára-brisa dos carros infratores. Há ainda os que descem da moto para brigar. E neste caso, geralmente nunca vão sozinhos – os demais motoboys param as motos, fecham o trânsito e cercam o carro azarado e a coisa pode ficar feia.

Os motoboys, como se vê, são muito solidários entre si. Quando um deles se envolve num acidente e vai ao chão – segundo as estatísticas, morrem entre 2 a 3 motoboys por dia e dezenas de outros dão entrada no pronto-socorro – os demais fecham a faixa de rolamento, chamam o resgate e a ambulância. Mas, são hostis a motociclistas, aqueles que pilotam motos acima de 500 cilindradas, os "tiozões" de meia idade que ficam passeando em motos estradeiras enormes na faixa de rolamento entre os carros, fechando o trânsito e andando devagar. Também são rivais dos carros em geral, especialmente os táxis, com quem mantém hostilidade constante.

A relação entre os motoboys e os caminhões também não é nada boa. Os caminhões costumam atropelar e passar por cima de motoboys nas marginais, em parte por causa da imprudência dos meninos.

Foi nesta guerra que me vi envolvido há cerca de alguns meses, quando decidi usar a Harley todo dia para ir ao trabalho. As vantagens eram muitas, a principal sendo o tempo: de táxi eu levava uma hora para chegar no trabalho. De moto, trinta minutos, se eu andasse junto com os motoboys, na faixa entre os carros e no ritmo deles. Foi o que resolvi fazer, preferindo isto a ser assaltado uma terceira vez.

A Dyna é a moto ideal para isto. Curta e estreita, apesar de ter o maior motor original fabricado pela Harley, a Dyna é muito ágil, potente, freia bem além de ser uma Harley – a marca, o ronco, o visual sempre chamam a atenção em qualquer lugar. Desisti de manter a minha limpa e brilhando. Ela vive suja e só toma banho a cada duas semanas.

Minha tática de sobrevivência se resume a algumas poucas regras que adotei (e que nem sempre consigo cumprir):

Respeitar os motoboys – apesar da Harley ser dezenas de vezes mais potente, no trânsito eu não tenho como competir e ganhar deles. Portanto, procuro dar passagem e não acuar o motoboy quando está na minha frente e eu poderia facilmente passar por cima dele.

Achar um batedor – de preferência um motoboy numa 250 que seja cachorro louco, que vá na minha frente, abrindo caminho, buzinando e xingando. Quando me vejo sozinho no corredor, diminuo a velocidade e espero ser alcançado por um destes, a quem dou passagem e em seguida, colo feito carrapato na traseira e só largo quando chego ao destino.

Não aceitar provocação – muitos motoboys que acabam encostando na minha traseira na fila pensam que sou um daqueles tiozões, que colocam duas malas de lado na moto e fecham o corredor a 40 por hora. E aí tentam desesperadamente me passar, chegando a cometer imprudências perigosas. Já fui praticamente atropelado por uma 125 que simplesmente se jogou na minha frente. Quando reclamei, logo vi que fiz besteira, pois uns dez motoboys me cercaram olhando para ver qual seria minha reação. Fiquei quieto e deixei barato. Pensei na mulher e nos quatro filhos. Aprendi minha lição e hoje aceito as fechadas, prensadas, sem reagir. Para extravasar, uma vez perdida, naqueles raros momentos em que a pista abre em nossa frente, enrolo o cabo da Dyna e deixo os meninos comendo fumaça, inclusive o meu batedor...

Fazer a distinção entre eles – como em toda profissão, tem aqueles que são irresponsáveis e mal educados. Mas, grande parte, senão a maioria, é de jovens que estão tentando ganhar a vida honestamente. De manhã quando saio para o trabalho, percebo dezenas deles levando a esposa na garupa, para o trabalho ou escola, geralmente com o capacete rosinha. Muitos são atenciosos e solícitos, dispostos a ajudar e dizer como chegar num endereço. Depois que coloquei um GPS na Dyna não precisei mais pedir informações, mas antes disso, fui muito ajudado por motoboys.

Andar no meio da fila – não no início e não no fim, mas é no meio que me sinto mais seguro. Dificilmente um carro vai mudar de faixa quando tem um comboio de motos passando a toda velocidade ao seu lado. Procuro ir bem no meio deste comboio. Tem dado certo até agora.

Passei a apreciar os motoboys. Muita coisa que se diz deles é exagero, como que eles gostam de chutar espelhos por nada. Neste tempo andando com eles não me lembro de ter visto um caso destes (mas, minha esposa está me dizendo que ela já viu). Eu mesmo já bati em vários espelhos ao passar entre os carros, mas sempre toques pequenos, que não chegaram a quebrar ou desencaixar os espelhos, no máximo desregulá-los. Gostaria de, cada vez, parar e pedir desculpas, mas ai seria atropelado pelos "cachorros loucos", hehehehe! Outra lenda sobre eles é que todos são maus motoristas e quebram as regras. Também não é verdade. Há muitos que fazem isto – da mesma forma que motoristas de carros, mas grande parte respeita as leis.

Ainda tenho medo quando passo a 90 por hora na marginal com os motoboys, entre os carros parados ou andando devagar. Diariamente peço ao Senhor que me guarde, que me livre de acidentes e que me dê tranqüilidade para não aceitar provocações. E especialmente que me livre da tentação de acelerar, pois nas veias até mesmo do mais disciplinado motociclista corre um pouquinho de sangue de "cachorro louco"...

Augustus Nicodemus

8 comentários:

Alex Z disse...

Pelo nas ruas ele adotou uma teologia saudavel

ROGÉRIO B. FERREIRA disse...

Finalmente um assunto que ele soube dissertar com propriedade...

Anônimo disse...

Queópariu. Fala sério! Esse cara é doutor, chanceler, patrono do conservadorismo, referência puritana? Os evangélicos estão mal de liderança, véi, muito mal.

fha disse...

Sem querer defender, mas já defendendo ...
Prefiro muito mais ler os textos de "Doutor Chanceler" Augustus Nicodemos, com todo seu conservadorismo, calvinismo e puritanismo, do que ler um monte de maluquisse e heresias da maioria dos "pastores", "bispos", "apóstolos" evangélicos de hoje em dia.

E esse texto sobre os motoboys foi bem simpático

fha disse...

minha "maluquisse" também tá difícil de aturar ....

#FAIL

Alex Fajardo disse...

Esse ano ele veio na igreja presbiteriana de Perus pilotando a motoca .. fotografei ele e sua harley

Letícia Lopes Ferreira disse...

Já vi o rev. Augustus dissertar sobre muitos outros assuntos com propriedade. Além de ter muito conhecimento, ele é uma pessoa muito gentil.

Anônimo disse...

Gostei das dicas. Tenho uma 125 e morro de medo dos motoboys. Já concluí que é melhor deixar o caminho livre para eles. De qqer forma moro numa cidade mais tranquila (apesar de ter transito bagunçado). Se for para um cidade maior não sei se continuo andando de moto...

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