27.12.09

Protestantes não-iconoclastas

Desde que Deus mandou construir a serpente de bronze no deserto, como símbolo para a fé, e a mandou destruir quando a mesma foi tratada como ídolo, que as religiões monoteístas de Revelação, têm que tratar com a fronteira muitas vezes tênue entre arte sacra e idolatria, entre fé e cultura.

O Islã tomou uma posição oficialmente iconoclasta: nada de representações pictóricas do sagrado, e o Judaísmo se move dentro de uma decoração sóbria e símbolos como o candelabro e a estrela de Davi.

Controvérsias surgiram nos primeiros séculos da História do Cristianismo, com as Igrejas Orientais condenando as imagens tridimensionais e adotando os ícones, pintados por pessoas com um carisma especial.

No Ocidente, a Igreja de Roma absorveu em Maria as deusas pagãs, e nos santos os antigos heróis gregos, adotando as imagens tridimensionais, e escalas de adoração incompreensíveis para o fiel comum (latria para Deus, hiperdulia para Maria e dulia para os santos).

A Primeira Reforma Protestante (luteranos e anglicanos) condenou os excessos e distorções da Igreja de Roma, mas reafirmou o valor da arte sacra (como se vê em suas Igrejas na Europa), com Lutero combatendo vigorosamente o movimento iconoclasta de Kaalstad. Obviamente que essa arte sacra protestante é compatibilizada com sua teologia trinitária, e sua crença que a comunhão dos santos não significa comunicação dos santos, e que Maria e os Santos podem ser apenas patronos e exemplos da piedade.

A Segunda Reforma (calvinista) e a Terceira Reforma (anabatista) foram radicalizando na direção de “quatro paredes caiadas e um sermão”, embora, com o passar do tempo, elementos de arte sacra foram sendo reintroduzidos em suas Igrejas de vários continentes. O acampamento batista da Carolina do Norte nos recebe com um anjo de mármore em tamanho natural e tem uma cruz em neon no topo de sua colina.

No Brasil, o protestantismo, no século XIX teve que se mover sob fortes restrições legais, inclusive com a proibição externa dos símbolos, com a falta de recurso que levou a improvisação de espaços, com a presença primeira de Igrejas missionárias da Segunda e Terceira Reformas, e com a polarização com a Igreja de Roma em sua vertente ibérica-tridentina, fortemente centrada em Maria e nos santos, e na devoção das suas imagens.

Os luteranos e anglicanos ficaram mais localizados no sul do País, onde desenvolveram, a partir da República, uma arte sacra em seus espaços.

Manifestações de arte sacra também podem ser encontradas em outros ramos reformados nas regiões sul e sudeste, e a tendência iconoclasta foi mais prevalecente nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, reforçada, posteriormente pelo fundamentalismo, pelo pentecostalismo, pelas tendências neo-judaizantes, e pela ignorância histórica e cultural.

Hoje, não somente os herdeiros da Primeira Reforma mantém e expandem sua promoção da arte sacra, como uma nova classe média de instrução superior e experiência cosmopolita em outras denominações já atingem o nível de sensibilidade à beleza no sagrado, à arte na adoração.

Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.

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