Sem ter onde morar, ele tem 1.500 seguidores no Twitter e entendeu a internet graças a um projeto feito na raça
A 200 metros da confusão da Rua 25 de Março, oito pessoas aguardam silenciosas seu momento de usar o computador em um ponto de acesso gratuito no Metrô São Bento. Paulo Fonseca está lá, como todos os dias. Com as malas nas mãos, ele aguarda o momento em que Iberê, responsável por organizar os acessos, o chamará pelo nome. Quando vem o grito, ele senta no computador e reclama que no abrigo não lhe deixam guardar seus pertences. Ao fazer o login no PC do Acessa SP, projeto de inclusão digital do governo de São Paulo, se descortina uma outra realidade.
Ele tem passado as noites no albergue do Oficina Boracea, projeto da Prefeitura de São Paulo que atende a população que vive na rua. De dia, tenta ficar conectado o máximo possível. Não é muito; nos pontos de acesso só se pode usar o computador por 30 minutos. Fã de Jornada nas Estrelas, ficção científica e cinema, ele passa o dia alimentando seus vários perfis no Twitter, discutindo política e comentando em blogs. Usa pseudônimos. Em um de seus perfis, seguido por 1.500 pessoas, troca ideias em português e inglês com atores e políticos. “Quando descobrem, perguntam ‘mas é você mesmo quem faz esse Twitter?’”, diz, enquanto mostra seu perfil à reportagem.
SÓ POR 30 MINUTOS – Paulo Fonseca em ponto de acesso gratuito em SP; em um dos perfis que mantém em redes sociais, tem 1.500 seguidores e discute em inglês e português FOTO: LEONARDO SOARES/AE
“Dá para dizer que 90% dos moradores de rua acessam a internet”, diz ao Link Robson Mendonça, coordenador do Movimento Estadual da População em Situação de Rua de São Paulo. O número é empírico e pode parecer exagero. Mas, segundo ele, onde há internet gratuita, há moradores de rua. “Eu conheço o caso de um que casou com uma vendedora do Brás”, lembra. Natural do Rio Grande do Sul, Mendonça morou na rua por três anos. No começo, computadores eram totalmente estranhos. “Tinha medo até de encostar a mão no teclado”, lembra. A aproximação foi aos poucos – e-mail, site, uma postagem ou outra no Centro de Mídia Independente. Mas foram dois estudantes de jornalismo que despertaram de vez seu interesse pela internet.
Guilherme Giuntini e Leandro Gomes mostraram ao ativista o projeto de conclusão de curso Ruas Digitais, site criado para aproximar a população de rua da internet. Na ferramenta, basta um cadastro para que qualquer pessoa poste textos, desabafos e denúncias, encaminhadas a um advogado. Há também uma área de serviços, com dicas e pessoas desaparecidas.
“Fiquei com um pé atrás no começo. Confiei quando eles falaram ‘nós criamos, mas a ferramenta é de vocês’”, diz Mendonça. Embora o site estimule os moradores de rua a “filosofar”, não é esse seu o principal uso. “A agressão é tão constante que fica quase inviável você escrever algo diferente”, diz.
Claro que nem todos os moradores de rua estão familiarizadas com a rede. Muitos chegam sem saber ligar o PC. “Eu tenho que ensinar desde o começo: escreve aqui, clica aqui”, diz Guilherme Giuntini, que vai ao ponto no metrô São Bento duas vezes por semana para orientar o uso da ferramenta.
Quem posta com mais frequência é o próprio Mendonça, os estudantes e algumas outras pessoas, como Paulo Fonseca. “O site é para dar voz a essa população. Você sabe o que a polícia falou, o que a prefeitura falou, mas nunca sabe o lado do morador de rua”, diz Leandro Gomes. Um site pode parecer pouco. Mas, para quem não tem nada, um espaço para falar e ser ouvido é muito. “Eu falei para os moradores em um encontro na Rua Riachuelo: ‘Vocês tem que parar de ter porta-voz. Vocês tem de ser seus próprios porta-vozes’”, define Mendonça.
fonte: O Estado de S. Paulo
22.12.09
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário