A boa difusão de uma mensagem requer arautos fiéis aos seus termos. A difusão de uma mensagem específica, a do evangelho, sempre exigiu mais. O ato de disseminar o evangelho em nada se compara ao árduo labor de copistas medievais, dobrados com fidelidade canina aos seus manuscritos; não se trata, em termos menos sinuosos, de ser fiel à letra, ao que foi gravado acerca das boas novas em tinta prudentemente estável.
O que perdemos de vista foi o escândalo da encarnação e o que dele decorre: o evangelho só pode avançar pela mesma via ardente em que trafega o sangue humano. O reino, que está potencialmente entre nós, é instaurado pelo afeto, não pela pregação expositiva; pela compaixão, não pela defesa ensandecida de sublimados sistemas.
Desbastando os helenismos que foram se acumulando em camadas rígidas sobre o evento encarnacional, chegaremos ao elementar princípio de que não fomos comissionados ao patronato de ideias abstratas; é dizer, não nos foi dada carta branca para amalhoar todas as culturas nas cercanias de nossos castelos conceituais.
Ninguém pode, com o plano de salvação no bolso do casaco, fazer o evangelho avançar meia légua que seja, pela boa razão de que plano de salvação, assim universalmente estabelecido, é delirante ilusão e doce segurança contra as exigências vertiginosas da contingência e da liberdade. É o já denunciado devaneio de que a salvação virá pela difusão das crenças corretas.
Não é demasiado lembrar que o Filho do Homem tecia para cada circunstância um gesto próprio, que de ninguém se aproximava com planos inflexíveis e respostas prontas, e que chavões não frequentavam sua boca indomável. Antes, acercava-se da gente com penetrante respeito e assombro, como quem se aproxima de universos ainda indevassados.
Em seu exemplo apreendemos que a mensagem do evangelho é de tal natureza que para ser expandida depende fundamentalmente não de nossa voz e de nossa lógica, mas de nossa coragem e de nosso sangue. Não depende tanto de uma especial aptidão em expor conceitos, suplica antes a disposição em sentar-se generosamente com adúlteras e banquetear sem recato com publicanos.
Ao arauto cumpre abandonar as solenes proclamações e tornar-se, na precariedade de sua carne, a própria mensagem.
Alysson Amorim, no Amarelo Fosco.
Um comentário:
Como dizia McLuhan - 'o meio é a mensagem'!!!
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