26.1.10

Nas escadarias da laicidade

O Plano de Proteção à Liberdade Religiosa empacou. Outra liberdade fica para trás: a de consciência

Propor um Plano Nacional de Proteção à Liberdade Religiosa enfatizando religiões de matriz africana como o candomblé e a umbanda é iniciativa importante. Chamam a atenção críticas dos próprios interessados indicando fragilidades e limites do plano porque seu lançamento não foi frustrado por esses limites, mas pelo que seriam suas "ousadias", ao reconhecer direitos dessas minorias religiosas.

O noticiário procura destacar a relação de católicos e evangélicos com o povo de santo. Seriam os dois grupos politicamente influentes, aos quais o governo estaria atento e pelos quais recuaria. Haveria essa simetria de influência? Poderiam as religiões ter tanta presença na arena do Estado?

A laicidade do Estado é princípio constitucional no Brasil. É Estado que se estrutura como esfera genuinamente humana, na qual decisões dependem de seres humanos, com autonomia do poder temporal, observada a separação de poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário), e os direitos são de cada cidadão. No Estado laico estão claramente separadas a esfera política e a vida religiosa, não se confundindo as respectivas fontes de autoridade nem se imiscuindo uma na outra. É o princípio da laicidade que garante a liberdade de consciência, de crença e de culto a cada e todo cidadão ou cidadã, contando o Estado com meios legais para dar essa garantia.

Nesse Estado, é a mutação do poder autônomo que, por ser laico e democrático, pode promover alterações que sejam necessárias, de acordo com as mutáveis condições humanas, que são comuns a todos, independentemente de fé. Alterações do ordenamento jurídico serão ditadas pela possibilidade de serem invocadas por todos, sem embaraçar o exercício do direito à liberdade de consciência, de crença e de culto de qualquer cidadão ou cidadã.

As religiões devem reconhecer o limite de sua orientação sobre seus adeptos, que contarão igualmente com o Estado, e assim poderão escolher o que sua consciência ditar, arcando com as responsabilidades inerentes a sua escolha. Por isso, tudo o que promova o respeito e proteja da intolerância os diferentes grupos de consciência (como os ateus), de crença e de culto, coletiva e individualmente, promoverá o Estado democrático de direito, o que torna relevante um plano como o que se colocou em questão.

Já o 3º Plano Nacional de Direitos Humanos, ao tratar da questão dos símbolos religiosos em estabelecimentos públicos, também se liga à laicidade do Estado. Um crucifixo em um tribunal ou escola pública distingue exclusivamente a fé católica, deixando todas as demais formas de crer e não crer ao abandono, desprezo e humilhação. Impõe um sistema específico de valores por sobre os próprios valores decididos pela cidadania, criando constrangimentos. Por que, então, a reação católica ao 3º PNDH? Leia +.

Roseli Fischmann, Professora da Pós-Graduação em Educação da USP e da Faculdade de Humanidades e Direito da Universidade Metodista, onde lidera o Núcleo de Educação em Direitos Humanos. Coordena pesquisas sobre Estado laico apoiadas pelo CNPq e pela Fapesp. Autora do livro Estado Laico

3 comentários:

Charles A. Müller disse...

Li o PDF do 3o PNDH e achei estranho o "Objetivo VI d" (página 39).
http://media.folha.uol.com.br/brasil/2010/01/11/decreto-programa_nacional_de_direitos_humanos.pdf
Se o objetivo era dar tratamento igual e não discriminar, qual a razão então, para o texto enfatizar UMA religião? E as outras matrizes?
Justamente quem diz não discriminar, discrimina tanto.

Charles A. Müller disse...

Sobre a questão dos símbolos religiosos, um ponto que "pega" na discussão do laicismo.

Sugiro a leitura (e até um post aqui) do ponto-de-vista, bem argumentado e contrário a este acima. Escrito por Vitor Galdino Feller, um padre. Não sou católico, mas concordo com ele quando diz que "o direito à liberdade religiosa diz respeito à liberdade de exercer ou não determinada religião, mas não à liberdade de confrontar-se com as religiões; um Estado que se pretenda laico não pode negar a realidade religiosa da sociedade que organiza. A partir do momento em que passe a lutar contra a religião e seus valores e símbolos, estará instaurando um fundamentalismo antirreligioso, cúmplice do fundamentalismo religioso."

http://www.clicrbs.com.br/anoticia/jsp/default2.jsp?uf=2&local=18&source=a2790480.xml&template=4187.dwt&edition=13990§ion=882

Anônimo disse...

A Umbanda não é 'de matriz africana' e nunca foi. Somente pseudo-estudiosos do assunto fazem essa associação. Nada em demérito de algo ser de matriz africana, só que a verdade não é essa. Maiores informações podem ser solicitadas na Faculdade de Teologia Umbandista (www.ftu.org), reconhecida pelo MEC.

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