22.1.10

O pecado mora ao lado

O Parlamento português aprovou há pouco o casamento gay. Se o presidente Aníbal Cavaco Silva (conservador) não vetar o projeto de lei --e nada indica que o fará-- Portugal tornar-se-á o oitavo país do mundo a permitir o, vá lá, enlace matrimonial entre pessoas do mesmo sexo. Os outros sete são Bélgica, Holanda, Espanha, Noruega, Suécia e, fora da Europa, Canadá e África do Sul.

A Igreja Católica, é claro, opõe-se à proposta, bem como a outras iniciativas recentes do governo português, entre elas a descriminalização do aborto.

Como já afirmei diversas vezes neste espaço, o que dois ou mais adultos fazem de comum acordo em matéria de sexo entre quatro paredes é assunto que diz respeito unicamente a eles. E, se a sociedade, por algum motivo, definiu que casais são titulares de uma série de benefícios fiscais e direitos sucessórios e previdenciários, não há por que não estendê-los a parelhas do mesmo sexo. Um cidadão é um cidadão independentemente de seus hábitos sexuais.

Sei que esse não é um raciocínio unânime. Só que para opor-se a ele faz-se necessário invocar um conceito bastante complicado: o pecado. Sua complexidade está no fato de envolver uma série de pressupostos pelo menos discutíveis. É a sempre interessante "Encyclopaedia Catholica", no verbete "sin" (pecado), que enumera algumas das condições necessárias para a "verdadeira noção bíblico-teológica de pecado": a existência de um Deus pessoal criador de todas as coisas, a existência de uma lei divina, a existência do livre-arbítrio humano e a existência de uma responsabilidade humana derivada da razão. Considero toda essa discussão apaixonante, mas não compro pelo valor de face nenhum desses quatro fundamentos do pecado.

A ideia de um Deus pessoal criador de todas as coisas não passa, em minha visão, de um delírio relativamente recente da humanidade. A exemplo de alguns cientistas, prefiro descrever o fenômeno religioso como uma predisposição de nossos cérebros para ver fantasmas por todos os lados e para perguntar pelo porquê de tudo. Essa dupla tendência multiplicada por milênios e milênios de existência humana acabou resultando no advento do monoteísmo, que, embora filosoficamente mais instigante do que os politeísmos, tem a desvantagem de promover a intolerância religiosa.

Já a noção de uma lei divina imutável parece-me difícil de conciliar, entre outras coisas, com a própria Bíblia, onde Ele supostamente diz o que espera de nós. São várias as passagens do "bom livro" que nos autorizam ou mesmo mandam fazer coisas que hoje consideraríamos horríveis, inclusive vender nossas filhas como escravas (Êxodo 21:7) e assassinar parentes que abracem outras religiões (Deuteronômio 13:7). Aqui, ou bem temos de reconhecer que a Bíblia é, como todo livro, o retrato de uma época com usos, costumes e moral específicos e circunstanciais, ou que, aos olhos de Deus, não há nada de moralmente errado na escravidão, no comércio de filhas e no terrorismo de inspiração divina. Pessoalmente, fico com a primeira opção.

O livre-arbítrio é sem sombra de dúvida um dos mais estimulantes problemas filosóficos de todos os tempos. Ele reúne numa só trama questões tão cabeludas como a natureza do universo (se ele é ou não determinado), a causalidade e a neurofisiologia dos impulsos nervosos. É desse "blend" que vai emergir (ou não) o homem como um agente moral. Em 2008, escrevi uma coluna específica sobre o assunto. Leia +.

Hélio Schwartsman, na Folha Online.

5 comentários:

Pr Julio Soder disse...

E eu ainda perco tempo lendo uma bobagem destas...

Isaac Marinho disse...

Não foi nenhuma perda de tempo...

Ainda que certas preposições apresentadas pelo autor tenham o mesmo valor de um insulto direto a Deus, é importante conhecermos as opiniões divergentes. Não podemos simplesmente discordar, precisamos saber o que o outro pensa também.

Eu, particularmente, discordo da tese da inexistência do pecado, porque creio em um Deus pessoal e em uma lei divina imutável (que ao meu ver se resume em amar a Deus acima de tudo e ao próximo como à minha própria vida). Mas tenho interesse em textos desse tipo, pois revelam muito do pensamento pós-moderno.

Fiquem na paz.

Um abraço.

Anônimo disse...

sabe, a biblia foi escrita a zilhoes de anos... com certeza, se ela fosse escrita hoje os escritores teriam uma visão totalmente diferente... ela seria escrita a um publico totalmente diferente, com outra visão e conceitos... ela foi escrita para pessoas daquela epoca... hoje vivemos em um mundo totalmente diferente... senhor Pr. lembre-se q assim como vc qr q respeitem seu ponto de vista, respeite o dos outros tambem... abraço, sergio.

Unknown disse...

Reiterando o comentário do Isaac, eu ouço os outros e gosto de conversar e ouvir outras opiniões. Mas, eu realmente estava por fora do que "cria". Não tem o que dizer à isso. Para mim é sutil e diabólico. Mas, "vá lá" né?

"A ideia de um Deus pessoal criador de todas as coisas não passa, em minha visão, de um delírio relativamente recente da humanidade. A exemplo de alguns cientistas, prefiro descrever o fenômeno religioso como uma predisposição de nossos cérebros para ver fantasmas por todos os lados e para perguntar pelo porquê de tudo"

É exatamente o que a ciência faz, perguntar tudo e achar fantasmas para solucionar. As duas buscam verdade,-ninguém busca mentira- de maneiras diferentes mas buscam.

Outra coisa,
Se é um pensamento é mera predisposição pq crer nele não é? Então posso falar assim em outros casos, pq aceitar como verdadeiro o que vc está falando se tudo que voce pensa é mero predisposição, conjectura sociológica, psicológica ou movimentação de partículas do ponto de vista biológico? Diz-se isso como verdade, não existe mais verdade, improbidade lógica.
Vou citar cs lewis mas acredito que vc não esteja nesse extremo. Espero que me entenda.
"Se é assim, então todos nossos pensamentos atuais são meros acidentes – o subproduto acidental de um movimento de átomos. E isso é verdade para os pensamentos dos materialistas e astrônomos, como para todos nós. Mas se os pensamentos deles – isto é, do Materialismo e da Astronomia – são meros subprodutos acidentais, por que devemos considerá-los verdadeiros? Não vejo razão para acreditarmos que um acidente deva ser capaz de me proporcionar o entendimento sobre todos os outros acidentes. É como esperar que a forma acidental tomada pelo leite esparramado pelo chão, quando você deixa cair a jarra, pudesse explicar como a jarra foi feita e porque ela caiu."

Unknown disse...

O anônimo deveria saber que tempo não é sinônimo de perda de autoridade. Tanto do ponto de vista sociológico (idade), quanto no ponto de vista da ciências exatas. Grande parte das coisas que se crêem hoje são antigas, e as aceitamos numa boa, pq a bíblia seguiria outra regra? Interpretar o texto com viés histórico é importante mas negligenciar o texto em si por causa da história é ridículo, não leia. E como não ler mais romance Camilo Castelo Branco porque ele foi feito à "zilhoes de anos atrás", não reflete mais nossa cultura, inclinação e etc... Estão usando só senso-comum, nenhuma argumentação séria...

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