20.3.10

Acácia ou eucalipto?

arte de Helen Frankenthaler

Não adianta ser fiel ao outro se a gente não é fiel a si. Mas não é simples assim: arenoso descobrir a nossa própria natureza e aceitá-la. Conhecer-me significa também não gostar daquilo que sou e ter que passar o resto da vida ao meu lado.

Até hoje eu só me amei por amor platônico. Nunca tive coragem de me aproximar. Escrevia cartas, fazia elogios, me criticava, mas sempre controlado, contido, parava quando me julgava ameaçado.

Não subestimo a força do engano. Talvez seja leal ao que meu pai queria ou ao que a minha mãe desejava ou ao que jurei ser a melhor solução para conseguir aprovação da turma. Quem diz que não gastei uma vida inteira para atender aos anseios dos demais e ainda não descobri as minhas ambições. Quem diz que não segui escrevendo porque um dia a maldita professora da 4ª série me chamou de escritor e não gostaria de decepcioná-la, muito menos ofender sua intuição.

Minha voz não é aquela que eu escuto. Meu rosto no espelho não é aquele que as pessoas enxergam. Meu beijo não está na minha boca.

Posso ser generoso pelo egoísmo. Posso ser amoroso pela tirania. Posso ser educado pela vergonha. Vê só o quanto uma virtude esconde uma maldade. Eu sou o resultado ou a origem daquilo que cumpro? O que tem peso maior: minha vontade ou o ato?

Ao me doar para uma mulher, não desfruto de condições para prometer coisa nenhuma, pois nem defini o que eu mesmo me ofereço.

De repente, vou me trair e ser fiel no casamento. Ou trair uma relação e ser fiel a mim. Antes deveria cuidar de ser monogâmico comigo.

Viajava pelo interior do Rio Grande do Sul, com o rosto cochilando na vidraça do ônibus. De música de fundo, escutava histórias de boiadeiros sobre acácia e o eucalipto, um grande dilema das plantações. Ao escolher a acácia, é natural deixar o gado debaixo das árvores. Ao plantar eucalipto, não haverá terreno propício ao pasto, ele é arrogante, absorve a água dos arredores, elimina a concorrência e suga a terra com gula.

Diante do impasse, logo problematizei: sou acácia ou eucalipto?

A acácia se oferece inteira, é mais familiar, caseira, procura um ideal de família e casa, transmuda-se em telhado e alimento aos animais. É recomendada pela sua renúncia, admirada pelo sacrifício voluntarioso. Quanto mais se anula mais aparece. Ampara o amadurecimento do conjunto, socorre carências. Em compensação, dura menos, de 7 a 10 anos. E não sobe muito, tem uma altura própria para recolher as crianças em seus galhos. Ela abdica de grandes vôos para acompanhar de perto os passos em sua folhagem.

O eucalipto é individualista, confiante, não se afeiçoa às carências do lugar, segue sozinho, desafia os próximos a obedecer seu ritmo, não irá recuar para confortar o solo e os bichos. Usa o que precisa, aproveita o contexto e se despede para o céu. Atinge uma altura muito superior à acácia e dura de 25 a 30 anos. Porta-se com o descaso de estrangeiro, como realmente é; um artista do vento, flautista das folhas, disposto a render um espetáculo e espalhar suas raízes para atrapalhar a soberania das pedras.

Previsível que todo mundo afirmará que é acácia. Para não frustrar a expectativa amorosa de entrega incondicional. Alguns, como eu, tratarão de pensar que são as duas opções, mas não é verdadeiro, tenho que escolher. Somente a renúncia permitirá que valorize o que ficou. No momento em que acumulo, não sou nada, não devo nada, não me é exigido nada. Sequer posso me trair.

Fabrício Carpinejar

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