6.3.10

Agostinho e Teresa

Assombram o cristianismo duas tentações opostas: a teologia e o misticismo. Mais fácil do que evitá-las é mapeá-las no eixo dos sexos: a teologia é distração eminentemente de homens, o misticismo é paixão de mulheres. Para usar os termos a que sempre retorno, a teologia é um jogo, o misticismo busca a partilha - sendo que jogo e partilha referem-se aqui ao modo fundamental em que operam, respectivamente, homens e mulheres.

A teologia apresenta todos os componentes básicos do jogo masculino: o desafio, o código e o prêmio. O cristianismo místico, por outro lado, exibe as características da partilha feminina: ele busca o contato e o equilíbrio e está fundamentado em fluxos, canais e trocas. A teologia busca incessantemente compreender, tabular, fixar limites; o misticismo quer conhecer, relacionar-se, desfazer os limites. A atividade fundamental da teologia é a especulação mental; do misticismo, a contemplação. O homem gasta o tempo com idéias a respeito de Deus, a mulher quer mergulhar num relacionamento intenso com ele.

Não é por acaso que a maioria esmagadora dos teólogos foi e é composta de homens como Agostinho, e que os maiores expoentes do cristianismo místico foram mulheres como Teresa de Ávila. Agostinho e Teresa representam respostas opostas a uma mesma carência, colocadas em ação pelos mecanismos naturais a cada um dos sexos (o místico São João da Cruz é quase uma exceção, mas é preciso reconhecer que há em geral mais homens no terreno do cristianismo místico do que mulheres no terreno da teologia).

Para ser justo e apesar do meu evidente interesse no jogo, não posso deixar de simpatizar mais com o misticismo do que com a teologia. Deveria parecer evidente que o Deus da Escritura cristã deseja menos ser compreendido racionalmente do que estabelecer um relacionamento. A filosofia é, na verdade, um jogo mais razoável do que a teologia: a filosofia, pelo menos, trata do que pode, em princípio, ser conhecido. A teologia é infinitamente mais ambiciosa; sua pretensão de destrinchar os meandros da insondável mente de Deus produz resultados quase sempre desastrosos.

Dos males, o misticismo é, por certo, o menor. Sua ênfase na oração, na meditação e na contemplação mantém aceso o assombro de Deus e mantém-no como o insondável Outro - um Outro que não pode ser exatamente compreendido ou colocado numa caixinha, mas com quem podemos, estranhamente, nos relacionar. Neste sentido, Deus não é um Outro mais insondável do que somos para todos os outros.

A coisa ruim que o misticismo poderia fazer é, como já aconteceu, afastar-nos do mundo pelo mergulho irreversível em nós mesmos. Os bons místicos, no entanto, sabem que mergulhar em Deus é tocar os outros no mundo. Conhecer a Deus é, naturalmente, conhecer o amor. Deus amou o mundo de tal maneira, e não esperaria destino menos glorioso de nós.

Paulo Brabo [via site da Ibab]

2 comentários:

Diogo Bochio disse...

Ok... viajou gostoso!! Um pouquinho de pesquisa evitaria escrever tamanha besteira.

A participação feminina não é restrita no desenvolvimento da teologia por uma falta de identificação com o propósito da teologia, mas sim porque, como em todos os campos do conhecimento, as mulheres encontram abertura muito recentemente. A premissa quanto ao interesse da mulher pela teologia é tão ridículo quanto dizer: “homens são melhores em matemática e mulheres em gastronomia baseado no envolvimento do gender nestes campos”. Que baboseira! Isso ignora o fato de que até meio século atrás as mulheres mal poderiam ingressar em uma academia, quanto mais em algo tão restrito historicamente.
Brabo desconhece o fato de que grande parte da teologia contemporânea é desenvolvida por mulheres, boa parte desta teologia, uma teologia feminina. Eu vou alem e colocar uma opinião totalmente pessoal: ao meu ver, os melhores teólogos atualmente são mulheres.
Teresa D’Avila é de fato uma expoente no campo da mística, mas seu involvimento com a temática não é causado pelo seu gender, mas sim pelo motivo do desenvolvimento da mística cristã. Os monastérios surgem como uma resposta à estatização da igreja, como uma forma de se manter o evangelho puro. A cristalização do evangelho nos mosteiros leva algumas pessoas a questionarem a fé, e a resposta a isso é a mística cristã. A mística cristã não deve ser separada da teologia pois é de fato o que leva a teologia a tornar-se mais próxima da realidade. Segundo Boff os místicos são “subversivos” pois questionam a fé e as respostas oferecidas para as angustias das almas, “profetas” pois sua “contemplação” nos traz uma nova revelação de Deus e “humanistas” pois sua contemplação não tem como fim a êxtase da experiência do divino e sim a resposta do divino para as angustias do homem. O místico contempla vivendo, transformando. O místico não é o que vive recluso e sim o que confronta o sistema. Tanto para Boff quanto para mim o maior místico de todos é um que de fato não entra nas listas convencionais, São Francisco. É impossível conhecer a vida de São Francisco e não compreender o desenvolvimento de uma teologia por meio do desenvolvimento da mística.
Mística é mistério, é questionar. A teologia é a sistematização deste questionar. Quando Brabo diz que há mais homens no desenvolvimento da teologia o mesmo confunde seminário com academia. Seminário não forma teólogos, não desenvolve teologia e sim reproduz clero. A academia desenvolve teólogos, questionadores, cientistas, experimentadores. Nas academias é possível dizer que a presença feminina cresceu muito nos últimos 50 anos. Nas ultimas duas décadas se aproxima da masculina (na Europa ultrapassa) provando não só o interesse feminino pela temática como sua competência para a mesma.
Paulo Brabo como teólogo, como místico ou como jornalista é um excelente pro-blogger, um excelente marqueteiro, pois leva a crer que domina campos que lhe são de fato mistérios.

Anônimo disse...

A amostra que tive nos seminários, confirma a tese do Brabo! Mandou bem!
F.B. Goulart

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