“O Diabo é o descanso de Deus à cada seis dias” (Nietzsche)
Segundo o texto bíblico no original do grego, Jesus foi expulso (lançado) pelo Espírito para o deserto para ser tentado, no entanto, quando ele chegou lá, deu de cara com o cineasta brasileiro Glauber Rocha que estava filmando as cenas do filme Deus e o Diabo na terra do sol. Logo no terceiro dia, em meio ao calor intenso, o diabo que era o ator principal disse pra Jesus: “Eu vi você transformar água em vinho em Caná da Galiléia, mas te peço pelo amor de Deus que você transforme pedras em pães, pois eu não aguento mais essa paranóica estética da fome”. Então Jesus disse: “Prefiro esperar, pois disseram que o sertão vai virar mar e o mar vai virar sertão”. Então o diabo disse: “Tamu junto nessa brasil”. E fizeram um pacto de união e se tornaram uma só carne causando um ato violento contra as expectativas. “A união dos corpos corresponde a violação da identidade” escreveu George Bataille.
O retrato de Heidegger do auto-alheamento contém uma intensa convicção: “Uma pessoa pertence aos outros e aumenta o poder delas. Os outros, a quem a pessoa assim designa a fim de encobrir o fato de que o seu eu pertence essencialmente a eles, são aqueles que proximalmente e na maior parte estão aí, no ser-um-com-o-outro cotidiano”. Por isso, Deus e o Diabo foram importantes no caminho da revolução profética registrada no livro de Ageu: “E derramarei o meu Espírito sobre toda a carne” e todos serão batizados no dilúvio amoroso messiânico, porque Deus não faz acepção de pessoas.
Segundo Heidegger, Ser-no-mundo “é em si mesmo, tentador”. Ceder à tentação de mundaneidade é, muito simplesmente, existir. “A queda no mundo significa uma absorção em ser-um-com-outro, na medida em que o outro é guiado pelo bate-papo ocioso, pela sede de novidade e ambigüidade. Somos lançados (geworfen) no mundo, proclama Heidegger. O nosso ser-no-mundo é um “ser lançado (Geworfenheit). Certamente não sabemos donde viemos para ser, salvo no aspecto mais trivialmente fisiológico. A biologia do parentesco não responde à questão real. Tampouco sambemos para que fim fomos projetados na existência, exceto em referência à morte. Entretanto, é justamente esse duplo desconhecimento que torna a condição “lançada” da existência humana mais enfática e paupável. O mundo vem ao nosso encontro, diz Heidegger, na forma de coisas.
Muitas coisas e muitas muitas histórias rolaram após a morte do Messias. Segundo o narrador do livro de Atos dos Apóstolos, alguns anos após o trágico assassinato de Jesus, ocorreu o famoso dia de Pentecostes onde o Espírito de Deus se manisfestou de forma contudente e muitos falaram em línguas. Existem várias versões teológicas sobre o mesmo episódio, aliás, como escreveu Nietzsche nos aforismos sobre hermenêutica, um texto, ou uma história dá abertura à várias interpretações, porque todo o texto é polissêmico.
Assisti UM FILME FALADO do cineasta português Manoel de Oliveira e me deparei com um trecho onde John Malcovich que é o capitão de um navio cruzeiro convida três atrizes para jantar e papear numa mesa. Cada ator fala em sua própria língua e todos entendem o que o outro está falando a respeito da história das civilizações. Há uma atriz grega, uma francesa, uma italiana e o John Malkovich fala em inglês. De repente, John Malkovich vê uma atriz portuguesa que estava acompanhada de sua filhinha e convida as duas para fazerem parte da roda histórica-filosófica, no entanto, as três atrizes conchavas de Malkovitch não entendiam a língua portuguesa, mas Malkovich entendia porque ele havia morado no Brasil por algum tempo, daí fica um silêncio e pensaram: e agora? Mas a atriz portuguesa é bilíngue e falava inglês fluentemente, mas não entendia as outras. Como todo mundo entendia inglês, o papo seguiu seu fluxo normal em inglês. Então houve acordo, houve manifestação, houve acolhimento e agregamento dos outros porque houve entendimento.
Quando há impecilho na comunicação verbal, o ser humano desenvolve outros tipos de comunicação, e nenhum sistema linguístico é universal, mas situado geograficamente ou noologicamente como um ato de interação amoroso, porque os signos são carregados de sentido. Mesmo que eu falasse a língua dos anjos, se eu não tivesse amor eu nada seria, porque compreender a presença de outros é existir. Ser-no-mundo, diz Heidegger, é ser-com. O “Eu” nunca está só na experiência do Dasein. Dasein é “ser-aí”, e “aí” é o mundo concreto, literal, real e cotidiano. Ser humano é estar imerso, implantado, enraizado na terra, na trivialidade cotidiana do mundo (“humano” contém em si humus, o latim para “terra”). O outro é encontrado em seu Dasein com o mundo e no mundo. O mundo em que o nosso Dasein é lançado e no qual ingressa, tem outros nele.
Joevan Caitano
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