Quando um palavrão aparece fora de lugar ou sai da boca de quem não se esperaria, a reação é um pouco escandalizada. No Brasil, menos do que em outros países. Duvido que um jornal chileno reproduzisse o palavrão de um político de seu país (claro, na hipótese improvável de algum político chileno dizer um palavrão em público).
Nossa televisão, de vez em quando, afrouxa as regras: Faustão tornou "pentelho" aceitável nos domingos à tarde, e Boris Casoy, de vez em quando, abria espaço para um "bunda de fora". Programas de humor, claro, são um pouco mais liberais. Quando são apresentados ao vivo, os apresentadores olham seus relógios para conferir se podem falar mais livremente. É só ver o CQC para comprovar.
Mudanças em relação a palavras tabu refletem mudanças sociais. Não faz muito tempo que não se podia falar publicamente em menstruação ou em camisinha. O fato de nem nos darmos mais conta de que tais palavras já foram proibidas (ao lado de "babaca", por exemplo) é o mais claro sinal de que as coisas mudaram. No caso, acho eu, para melhor.
(O que me lembra da avó que pedia à neta que não dissesse mais certas palavras, que achava inadequadas. Uma era bacana e outra, nojenta, acrescentou. E a neta perguntou, inocentemente, quais eram as palavras!).
Lendo qualquer texto que trate de tabus linguísticos (palavrões são os exemplos mais claros), descobrem-se dois aspectos aparentemente contraditórios de sua vida numa comunidade linguística. Primeiro: são controlados (e não propriamente proibidos), de forma que nem todos os falantes os empregam, ou os empregam impunemente. Digamos, para simplificar bastante, que são mais admissíveis para homens que para mulheres, e são mais admissíveis em lugares privados do que em público (estádios de futebol não valem como contraexemplo, está claro). Segundo: são valorizados, o que significa que os que proferem palavras proibidas são considerados de certa forma heróicos, corajosos, por terem a coragem de violar certas regras (ou de desafiar forças ocultas). Lembro como eram valorizados (os risos sorrateiros eram a prova) na minha terrinha os lavradores que berravam blasfêmias quando suas juntas de bois não lhes obedeciam, nas idas e vindas pelos morros, puxando o arado...
Que palavras tabu sejam mais privadas e masculinas são dois traços que batem com outras representações mais ou menos valorizadas da masculinidade, entre as quais está uma certa grosseria, que pega bem entre homens (em bares, vestiários, saunas etc.). É um comportamento que acompanha e apimenta outros comportamentos que estão mais ou menos no limite (entre os quais está o consumo da bebida). Não esqueçamos que circula um comercial de carro cujo slogan é "para poucos e maus". Os bonzinhos, sabe-se, não arranjam nada...
Há episódios históricos interessantes em relação aos palavrões. O Pasquim foi francamente inovador, especialmente em suas entrevistas, quando eles abundavam. O jornal vinha cheio de asteriscos. É a vantagem da escrita. Ninguém pode ficar desenhando asteriscos no ar quando fala.
Mas nem só de palavrão vive o tabu. Outras palavras são consideradas perigosas, e são evitadas de alguma forma: muita gente não diz nomes de doenças, por exemplo, ou não tem coragem de dizer "morrer" (diz "faltar") nem "diabo" (no máximo, diz "diacho", o que permite expressar uma carga emotiva e, ao, mesmo tempo, evitar que o Cujo apareça ou aja). Quem leu Grande Sertão: Veredas sabe o quanto Riobaldo evitava dizer o nome dele. De quebra, aprendeu um bom número de nomes alternativos.
Em suma: dizer palavrões é violar regras sociais. Sabemos mais ou menos como elas funcionam. Como sempre, a certeza aumenta quando uma regra é violada. Como foi o caso da fala do presidente Lula no Maranhão (mas ninguém deu bola para o fato de Zé Simão dizer que DEM agora quer dizer "Deu Em M...", seja porque é um humorista, seja porque esta notícia circulou bem menos). Nixon ficou famoso pela quantidade de palavrões que dizia, mas o fazia em seu gabinete, discutindo com os assessores mais próximos.
Além disso, há termos técnicos que os substituem. Nenhum de nós vai ao laboratório para fazer exame de m... Mas, convenhamos, ninguém dirá que quer tirar alguém das fezes...
Sirio Possenti, no Terra [via Digestivo Cultural]
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9 comentários:
Ótimo texto. Me lembrou de um sobrinho meu de 11 anos, indignado comigo uma vez: "foda não é palavrão, todo mundo fala!". E não é que é verdade mesmo? Foda isso, viu! Ops.. ah, tá tudo bem né?
Abraços.
Gostei muito deste artigo. Lembrei-me de que na faculdade são proferidos inúmeras palavras feias e palavrões. Estranhamente, hoje eles causam-me algum desconforto, coisa que não me acontecia a sete anos atrás, quando julgava ser normal.
Enfim!
Bom fim de semana!
Pior que é verdade..
abraços
Caro Pava, como andam as coisas?
Sempre vi o processo de liberalismo dividido em três etapas aqui no Brasil. 1) O periodo colonial até 1889; 2) O livre nacionalismo que interrompeu seu processo com a ditadura (se é que em algum momento fomos ou somos livres); 3) E o Brasil pós diretas, de 1985 até aqui. Organizo desta maneira na minha cabeça os processos de transformação em vários aspectos, inclusive morais e costumeiros.
De certa forma as diretas trouxeram um ótimismo, mesmo que lento nos brasileiros quanto a forma de expressão, mais do que o processo de independência, pois as diretas soam como um grito de liberdade legítimo engasgado com a ditadura, uma vez que entre 1889 e 1965 estava ocorrendo sendo pondo um novo olhar para um país recém descolonizado.
Daí eu percebo que a lingua, ao menos falada acompanha esta aspiração de liberdade, porque termos como Vossa Mercê, vão se diluindo e vira o famoso você, e na internet, digitado como "vc". A língua de fato expressa uma transformação de pensamento e dão um teor maior de liberdade, mesmo que seja individual, pessoal. Vossa Mercê soa erudito e formal enquanto você soa livre das formalidades, me lembro que chamar minha meu pai ou minha mãe de você, por exemplo, até 20 anos atrás era uma blasfêmea, era senhor ou senhora, hoje você e até cora é bacana mesmo entre os pais.
O problema é que verbetes corriqueiramente ligados a partes intimas, entram neste despojamento. Por exemplo, se num jogo de futebol um cara dá um passe errado e o seu companheiro exclama o "puta que pariu", deixamos o lado o julgamento se ele chamou ou não a mãe do amigo puta, mas que indiretamente o amigo ofendeu a mãe do outro, isso é verdade.
Em geral esses verbetes, ou palavrões como já sabemos que são, além de soarem grosseiros, são relacionados a coisas que não expomos no cotidiano para ninguém. Ninguém sai por aí mostrando o pênis, mas fala "caralho" e sabe isso está associado ao orgão genital. Isso se estende mais e mais ao banalismo a medidade que vai passando o tempo, ao ponto de isso estar no vocabulário caseiro e mostrando o comportamento da sociedade, que ninguém pode negar, está mais liberal do que nunca.
Os processo que citei podem ser visto com otras perspectivas, como disse anteriormente é a maneira que vejo, mas fica claro que marcam tempos distintos de um momento de liberdade para nossa sociedade, seja em qual grau for.
Bem, desculpe os palavrões aqui, foram somente para prosseguir na linha de pensamento. Fique com Deus.
Graça, paz e saúde em Cristo.
Gostei do Texto. Me lembrei de uma conversa que tive com minha mãe um dia desses. Para ela a palavra "merda" não é palavrão, já outras, sim. No teatro essa palavra é usual. Seria como o "boa sorte", Além do que, diria ela, todo mundo faz isso, não?.rs Concordei com ela.=)
Abração.
Pava,
OBS 1: Mostrei seu blog para minha mãe. Ela gostou muito. =)
OBS 2: Segundo ela o comentário do Zé Simão sobre o DEM foi o melhor...
OBS 3: Ela disse pra você não tirar foto com o cabelo alvoroçado. Você fica melhor de cabelo preso. (Acho que ganhou uma nova fã)kkk
Beijocas e bom fim de semana.
Um casal amigo em viagem a Portugal assistindo um culto numa igreja portuguesa,os membros sentados bem juntinhos,e lá estava o casal assistindo o culto,quando o pastor da igreja fez o seguinte convite:
"Irmãos,vamos levantar o cú do banco para louvarmos ao Senhor";a irmã Marlucia não aguentou no que ouviu e entrou em choque de riso incontrolável,e perguntou ao marido se ele tinha ouvido o apelo pastoral? Lá,cú,bunda talvez não é "palavrão".Porrada é pancada muito forte!Dicionário confirma.
Tá ? Fui,tito from brasília.
Oi gente povo de Deus!
Está nas manchetes de blogueiros o que Caio Fábio disse ou não disse - e se disse palavrão e que palavrão.Mas o que fêz Caio dizer palavrão ?
Será que aquele que está alfinetando o Caio está certo? Não está escrito que não irriteis uns aos outros? Ou estou enganado.Palavrão,palavrinha,palavrada ou palavra ou nada,é uma forma de se expressar qdo se está sendo sufocado,e no momento não temos outra 'saída cristã' se não falar ou soltar explosivamente um palavrão,que é melhor do que dar um tiro no fuxiqueiro - menos mal.Fui tito,from brasília.
Tem muito a ver com questões culturais latentes em nossa criação. Na minha casa sempre foi "pecado" falar qualquer coisa meio esquisita. Um dia falei "é uma ova" e quase apanhei!
Já tenho amigos que acham tudo quanto é coisa "cabeluda" normal.
Eu às vezes sinto vontade de soltar um, mas como fui muito condicionada não sai! kkkkkk....
Acho que a intenção da expressão é a mesma em falar: PQP, ou falar POXA VIDA! É um desabafo, de ódio, de ira, de euforia...enfim!
Lembro de meu filho mais novo, tinha uns 3 aninhos e não tinha contato com palavrão ainda. Numa briga com a irmã, ficou vermelho de ódio, o olho quase saia pra fora e disse: "VC É UM ....(pensou, pensou) e soltou: É UM SOFÁ!"
Acho que nosso sofá era muito feio...hehehehe
Tem gente numa discussão que fala um "Misericórdia" com tanta raiva e querendo acabar com o outro que pra mim é a mesma coisa que falar o tal palavrão.
Me preocupo mais com a intensidade da emoção do que a palavra em si.
Já ouvi um "minha puta" que no contexto fiquei lisonjeada!!
Ai não acredito que falei isso! rs...
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