Quando da minha infância, nos anos 1950 a Semana Santa era formada por dias santos e não por feriados. Na Sexta-feira, os trens, da concessionária inglesa Great Western não trafegavam por esse Nordeste de meu Deus. As emissoras de rádio (não havia televisão por aqui) somente tocavam músicas clássicas e músicas sacras. Os cinemas (nossa principal diversão) apenas exibiam películas de cunho religioso. Havia uma generalizada atmosfera de reverência, e as marcas de religiosidade de nossa cultura eram evidentes. Gastronomicamente, somente comíamos peixe, que eram deliciosamente cozinhados dentro das tradições regionais. As procissões grandemente concorridas, com todos os seus desvios para a ótica protestante, eram plásticos, emocionados e emocionantes espetáculos de fé.
O prostíbulo da nossa cidade (União dos Palmares, Alagoas) tinha a sua “zona do baixo meretrício” localizada na área denominada de Alto do Cruzeiro (depois de removida do perímetro urbano do 'Jatobazinho'). Pois bem, naquele tempo (segundo depoimentos fidedignos dos aficionados) não havia dinheiro que fizesse as hoje politicamente denominadas de “trabalhadoras do sexo” atuarem em seus ofícios, antes, contritas, e com a cabeça coberta com um véu, compareciam à missa das 6h (menos concorrida do que a mais popular e mais burguesa missa das 9h) e acompanhavam devotas a Procissão do Senhor Morto.
Lembrei-me dessas coisas em nosso tempo secularizado, em que os bares e restaurantes estão cheios, no lugar do peixe algum Mac-alguma-coisa, e as prostitutas atuais (profissionais, amadoras ou semi-profissionais) não mais abandonam o batente para rezar.
É claro que o Secularismo tem raízes mais profundas no Ocidente, em que, ao contrário de muitos países, os Estados Unidos nunca tiveram como feriado a Sexta-feira da Paixão, com sua origem puritana-congregacional, que terminou, por seus descentes, facilitando a secularização.
Quando criança, fiquei chocado no Recife (bairro de Casa Amarela) quando uma Igreja Batista, em uma agressão cultural, e uma burrice evangelística, promoveu em seu amplo pátio um festivo churrasco de carne de porco na Sexta-feira Santa.
Essa semana, os profissionais que estiveram na coletiva de imprensa com os atores da “Paixão de Cristo”, em Nova Jerusalém, PE, voltaram escandalizados com a irreverência, o deboche e o estado de alta ingestão etílica de muita gente no elenco, um verdadeiro balde de água fria após o “enlevo” do espetáculo.
Nesse sentido, o mundo mudou para pior. Como sexagenário evangélico/anglicano, continuo a levar a sério a Semana Santa, a não comer carne da quarta-feira ao sábado e a ter saudades dos velhos bons tempos em que até as prostitutas rezavam...
Robinson Cavalcanti, bispo anglicano.
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5 comentários:
Aí Pava, você sempre nos surpreende. Quando a gente pesa que vc vai mais uma vez detonar com o quadrado evangélico, você arranca um texto maravilhoso do Bispão Anglicano lá dos nordeste, esse maravilhoso Robison Cavalcanti e faz a gente pensar em como as coisas realmente mudaram para pior.
Valeu Pava.
Graça e paz, sempre.
http://marcusviniciuscomenta.blogspot.com/
Olha, eu admiro muito o bispo Robison Cavacanti.
Mas, este texto no meu entendimento é um retrocesso.
Acredito que burrice mesmo é a nostalgia do querido bispo por uma religiosidade ritualística dogmática.
Onde que comer carne de porco ou qualquer outra carne na Semana Santa é culturalmente errado?
Graças a Deus os tempos mudaram e as prostitutas não rezam mais na semana santa e muitos já tem o entendimento que deixar de cmer certos alimentos em certas épocas não é nenhum sinal de verdadeira santidade.
Abrçs a todos.
Move on, senhor bispo Cavalcanti. Nostalgia de uma Cristandade tão sólida quanto a neblina. Em vez de chorar as pitangas, procuremos entender nossa contemporaneidade.
Creio que ninguém entendeu o que autor quiz dizer...
O foco está na ausência de reverência para a data que deveria relembrar a Paixão de Cristo.
O que está em questão não é a comida ou a bebida.
No fundo no fundo,as pessoas só querem mais um feriado, concordo com ele.
Meu querido anônimo...
Tá aí uma coisa que Jesus não precisa é de feriado, ou qualquer outro tipo de data comemorativa. Reverência ou não reverência não residem em coisas como essas. Isso porque não há verdadeira reverência na religiosidade criada por homens (onde a Bíblia nos manda observar algo como Semana Santa, Páscoa ou Natal...?)
Ultimamente os cristãos com sua agenda superficcial que não contempla as reais necessidades de nosso tempo, vêm decidindo aquilo que Jesus supostamente precisa. Daí temos "Marcha para Jesus" e etc.
O que Jesus realmente quer são pessoas que diariamente e não apenas uma semana ou um dia estão com seus corações abertos para as realidades do Reino no meio de nós: socorrer os aflitos, consolar os desesperados, vestir o nú, tocar nos intocáveis e acolher os rejeitados vitimados pelos descaso e preconceitos sociais.
Abrçs a todos!
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