12.5.10

Conjugo verbos

É urgente elevar a pessoa à posição do espanto. É daí que se abre o mundo. Qualquer coisa possui em si o mistério de tudo e a nossa distância vai daqui para ali, e volta. Há uma frase por escrever da qual esqueci as palavras e a gramática. Uma frase que junte coisas separadas, as nuvens e as suas sombras, animais fabulosos a sensíveis plantas, breves recados a fatais desenlaces. Uma frase é um laço apertado por um verbo. Eu conjugo verbos como quem se encontra diante de um precipício.
Pedro Paixão, escritor português

Cortava maracujás e colocava o conteúdo em uma vasilha funda.Um cheiro doce, intenso, espalhou-se no ar. Depois lavei, descasquei e piquei o legume alaranjado imaginando as espécies de vitaminas coloridas que dele fluiam.

Também fatio pimentões, cebolas e berinjelas a serem espalhados em uma assadeira, cobertos de azeite e assados mornamente ao forno.Tudo isso vai virar vida em pouco tempo, alimentando sonhos e esperanças de uma família inteira. A água das vasilhas que respinga alegremente em meu rosto lembra como é bom estar viva nessa manhã fresca e iluminada.

Os sons da vizinhança misturam-se suavemente aos ruídos da casa e da música que tocava, em uma sinfonia doméstica nada ortodoxa.

Há tanta poesia e graça em meio a esses pequenos afazeres e me pergunto porque demorei anos a descobrir estas delicadezas. Hoje penso que cada pequeno gesto vai se reverter em vida.

Por amar a vida é que fazemos o banal transformar-se em dádiva. Por amar a vida geramos filhos, pequenos verbos de Deus. Por amar a vida é que escolhemos coser pacientemente os fios de rotina e fragilidade, e quando menos esperamos a tessitura multicor torna-se forte e bem trançada.

Por amar a vida eu conjugo falar, andar, correr, acordar, cansar, beber e comer.Por amar a vida eu ainda posso discordar, afagar, temer, sorrir e chorar.Por amar a vida vou conhecer e desconhecer, errar, revelar, perdoar, reconhecer e me penitenciar. Por amar a vida preciso aprender e desaprender a cada dia, preciso rever todas as coisas, preciso rezar, lembrar e esquecer.

Por amar a vida ‘conjugo verbos como quem se encontra diante do precipício’. Depois, ao avaliar o que há no mais profundo e no mais elevado, me lembrarei que tenho asas hábeis como as de uma gaivota. O precipício se chamará oportunidade.

Por amar a vida conjugo: a mim, a ti, a ele, a nós, a vós e a eles é hoje concedida a chance de sonhar e inventar receitas, escrever na página do dia ainda em branco, ir além.

Helena Beatriz Pacitti

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