Cabe à ciência reintegrar a natureza ao seu devido lugar, isto é, levá-la a cumprir com zelo seu ofício de fiel governanta da horda humana. Inteiramente embaladas por este espírito dominador é que vieram à luz zoologia e botânica, ainda nas primeiras horas da idade moderna. A ordem era classificar animais e plantas a fim de extrair deste esforço filantrópico o máximo proveito para a espécie humana: e não havia lagarta ou erva daninha que não estivessem comprometidas em ofertar sua desprendida contribuição.
Em “O homem e o mundo natural: mudanças de atitude em relação às plantas e aos animais (1500-1800)”, o historiador inglês Keith Thomas, habilidoso prosador, descreve “o empolgante espírito antropocêntrico com que os pregadores das dinastias Tudor e Stuart interpretavam a história bíblica”. Francis Bacon devotava tanto ardor na centralidade da raça humana que chegou a afirmar que se “o homem fosse retirado do mundo todo o resto pereceria extraviado, sem objetivo ou propósito.” Um pregador da época não titubeia ao explicar a quase nula variação de cor e forma entre indivíduos das espécies selvagens em cotejo com a ocorrência de maior variação desta ordem entre os animais domésticos, providenciadas “para que o homem pudesse distingui-los mais prontamente e saber de quem eles são propriedade.”
Explicações sobre a utilidade de animais e plantas ultrapassavam todos os limites do improvável. Macacos e papagaios foram feitos para o “contentamento dos homens”. O bispo James Pinkington explicava que os animais selvagens sempre existiram com o objetivo de estimular a coragem dos homens e prepará-los para a guerra. William Byrd propunha que os moscões “foram criados para que os homens pudessem exercitar suas faculdades e engenho ao se protegerem deles.” Os cães, por sua vez, passeiam por aí com a missão de demonstrar “lealdade afetuosa” e as galinhas para “exibir perfeita satisfação em um estado de parcial confinamento”. O reverendo William Kirby pregava com ardor a indispensabilidade do piolho, “poderoso incentivo aos hábitos de higiene.” Coube ao médico George Cheyne descobrir que o bom cheiro do excremento dos cavalos deve-se ao fato de que o Criador já sabia desde a eternidade que estes animais viveriam na vizinhança dos homens.
Onde fomos (e estamos sendo) levados por este “empolgante espírito antropocêntrico” é algo que só agora começamos a descobrir.
Alysson Amorim, no Amarelo Fosco.
2.5.10
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