20.1.07

Delírios divinos (2)

O fato de não demonstrarmos a inexistência de Deus significa que ele existe? É óbvio que não (e, se estivéssemos num tribunal, o ônus da prova recairia sobre os teístas não sobre os ateus). Se aceitarmos o método científico, que nos manda preferir sempre a hipótese mais simples (Navalha de Ockham), podemos até classificar como muito remotas as chances de haver um Criador. Cuidado, não estamos falando aqui de Deus-Natureza ou de um Deus-Big-Bang. Se formos reduzir a divindade a um postulado físico, estamos apenas brincando de trocar os nomes das coisas.

O Deus de que falam as três grandes religiões monoteístas é uma entidade inteligente, benevolente, que escuta as preces dos humanos e, se gostar, ainda intervém por eles. Teria ainda o hábito de recompensar os que a veneram e castigar os que não crêem. Convenhamos, que é uma hipótese extravagante, um jeito complicado e rebuscado de explicar a existência do mundo e o surgimento da vida. O surgimento "ab nihilo" de uma Inteligência criadora é ainda mais improvável que o aparecimento de partículas elementares, que deram origem ao mundo físico, que possibilitou a química, a qual redundou na biologia, que evoluiu lentamente até possibilitar a vida inteligente. A ciência oferece, embora de forma incompleta e epistemologicamente precária, respostas mais simples --e portanto mais verossímeis.

É claro que ninguém precisa concordar que a existência de Deus deve ser avaliada à luz de sua verossimilhança. Alguns crêem justamente porque a hipótese é implausível. De minha parte, precisando escolher entre ciência e metafísica, fico com a ciência. Ela já nos levou à Lua e nos permite construir máquinas de lavar, enquanto as discussões teológicas, cuja bela arquitetura conceitual eu confesso apreciar, apenas produziu mais metafísica.

Isso nos leva a uma outra questão colocada pelos leitores: estamos substituindo Deus pela ciência ou, pior, por modismos científicos como neurociência, evolucionismo? O risco, é claro, sempre existe, principalmente se o medirmos em relação a indivíduos. Alguns cientistas e filósofos talvez defendam seus pontos de vista com a mesma fúria e desconsideração com que Torquemada assava desafetos. Em termos de sistema, porém, a ciência tem uma enorme vantagem sobre as religiões: ela é essencialmente não-dogmática, não pretendendo possuir senão verdades provisórias.

Como eu disse, porém, ninguém é obrigado a acreditar em ciência. Isso deixa o livro de Dawkins numa situação interessante. Para quem rejeita as virtudes do método científico, "The God Delusion" se vale das mesmas armas dos religiosos para rejeitar Deus. Só que isso é perfeitamente legítimo. Embora eu ache uma bobagem, qual a regra democrática que impede ateus de mandar seus filhos para escolas de ceticismo aos domingos ou fundar clubes de ataque a Deus? Será que a proposta dawkiniana de poupar crianças de educação religiosa até que atinjam uma certa maturidade é pior do que estabelecer aulas de religião na escola pública, como o faz a Constituição brasileira? Se, por outro lado, achamos que o sucesso relativo das ciências se deve pelo menos em parte a seu método (suposição bastante razoável), então Dawkins tem um ponto ao sustentar a improbabilidade de Deus.

Façam suas escolhas. Só o que não vale é tentar calar o adversário.

Hélio Schwartsman, na Folha Online.

4 comentários:

Anônimo disse...

Bem que diz o evangeljho: "não se ponho em jugo desigual com o incrédulo".

Ninguém sabe dizer o que se passa na cabeça de um fósforo!

Anônimo disse...

Para mim não é a existência de Deus que está em questão. Sua atuação no mundo é que me deixa desiludido. Acho impossível falar-se de um Deus que ama, enquanto uma menina de 3 anos é estuprada. O ruim é que os religiosos arranjam explicação para tudo... e quando não acham dizem para aceitar pela fé e jamais questionam seus dogmas o que é um terreno fértil para o fanatismo. Se Deus nos deu a razão, por que não usá-la? Por que pensar que Deus não devesse se comunicar conosco no âmbito da nossa razão? Os livros sagrados provam que não vieram de Deus. Que tipo de Deus se comunicaria de forma tão ruim? Que tipo de Deus é esse que homens precisam defendê-lo? Qual a dificuldade de falar com cada um de nós audivelmente sem livros complexos sob a interpretação humana? Quantos livros já foram publicados para explicar a Bíblia? O texto q precisa de explicação não vem de Deus. Enfim, ele existe, mas onde está?

Anônimo disse...

"A ciência oferece, embora de forma incompleta e epistemologicamente precária, respostas mais simples --e portanto mais verossímeis."

Por isso mesmo os humanos com a mente simples e incompleta, "embrutecida", como diz a Bíblia, preferem crer nela...

Anônimo disse...

"A ciência oferece, embora de forma incompleta e epistemologicamente precária, respostas mais simples --e portanto mais verossímeis."

Por isso mesmo as mentes mais simples e incompletas, "embrutecidas", como diz a Bíblia, preferem crer nela...

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