"No Egito escravo fui" cantava na escola dominical, departamento em processo de extinção em muitas igrejas. Afinal, como poderia o ultrapassado flanelógrafo vencer a batalha contra games de última geração? Sem trocadilhos proféticos, por favor.
Bonifrates manipulados pelos fios dos noticiários, somos todos reféns do que a mídia nos orienta a discutir. A explicação para essa espécie de lobotomização não é nova. A partir dos estudos de Bernard C. Cohen (1963), McCombs estruturou a teoria da "Agenda-Setting". Traduzindo: "enquanto os meios de comunicação não podem nos dizer o que pensar, têm grande êxito dizendo-nos sobre o que pensar".
Assim caminhamos nós, títeres que se revoltam contra a adolescente que matou os pais, contra os burguesinhos que atearam fogo no índio, contra a babá que batia na criança, contra os políticos (ateus e crentes) que desviaram dinheiro da compra de ambulâncias. Um dia nos emocionamos com a morte hiperexplorada de determinado artista, em outro nos revoltamos com certa injustiça cometida.
Uma multidão de parvos se preocupa até com as discussões entre bestas enjauladas no zoológico BBB. Um fato é certo: os mais belos sairão de lá para as capas de revistas masculinas, femininas ou gays e em pouco tempo estarão esquecidos. Interessante observar que os mesmos atoleimados que enxergam uma suposta conspiração global contra o rebanho se deliciam diante desse tipo de narcótico próprio para gado, não para ovelhas. Povo marcado. Contempla essa vida numa cela.
Santa que os pariu
O tema literalmente "da hora" é o assassinato de João Hélio, no Rio. Qualquer tipo de menção ao caso catapulta os índices de audiência. Especialista na indigesta combinação sensacionalismo + soluções regurgitadas, a Veja bradou na capa: "Não vamos fazer nada?". Sites, revistas e jornais exploraram todas as nuanças possíveis. Todos sabem que as lágrimas de comoção em poucas horas serão substituídas pela mesmice dos sambas-enredos embalando silicone e bundas.
Como não poderia deixar de ser, descobriram que dois dos jovens envolvidos freqüentaram igrejas durante muito tempo. "Não criei monstros, sempre os criei dentro da igreja", disse a mãe ainda em surto. Na sala da casa dos crentes, adesivos com a frase "Deus é fiel" forneciam matizes ainda mais surreais, remetendo ao caso que ocupava as manchetes no período anterior.
Cada um usou o fato como quis. Em alguns púlpitos, tudo foi "fruto do pecado do pecado de buscar prosperidade no mundo, enquanto ela está disponível aqui dentro para quem entregar tudo o que tem". Para outros xiitas, a culpa é do marxismo que infesta as redações. O Diabo certamente também foi exaustivamente lembrado. Nesses momentos de comoção coletiva, surge a questão recorrente: "Onde está Deus?". O mesmo Senhor que multiplicou vinho para que uma festa de casamento continuasse bombando não poderia perpetrar o milagre prosaico de desatar um cinto de segurança?
Onde está Deus quando chega a dor?
Philip Yancey usou essa pergunta-mestra para entitular um de seus livros. A obra forneceu alento para centenas de milhares de americanos após o atentado contra as torres gêmeas. Alguns dias depois do ataque, o jornalista obteve permissão para visitar o local da tragédia. Yancey reprisou em menor escala o fenômeno que aconteceu com C.S. Lewis. Em O problema do sofrimento, o escritor irlandês escreveu sobre a dor do ponto de vista teórico. Num lampejo genial, classificou a dor como "megafone de Deus". Tempos depois, perdeu a esposa e continua emocionando milhares de leitores com a comovente catarse presente em A anatomia de uma dor (Um luto em observação).
Em Descobrindo Deus nos lugares mais inesperados, Yancey dá o xeque-mate. "Acho que a resposta a essa pergunta(Onde está Deus?) é outra pergunta. Onde está a igreja quando sofremos? Se a igreja está cumprindo sua tarefa - tratando das feridas, consolando os pesarosos, oferecendo comida aos famintos -, não acho que as pessoas vão ficar perguntando tanto sobre onde Deus está quando sofremos. Elas saberão exatamente onde Deus está: presente em seu povo na terra."
Eu te busco, te procuro, ó Deus
Ao ser atingido pelas palavras do escritor-jornalista, me lembrei imediatamente de onde estavam vários expoentes evangélicos no período do assassinato do João Hélio. Um deputado assembleiano acusado de sanguessuga foi mencionado numa coluna social. Desta feita, por um motivo melhor: gastou bastante dinheiro para decorar seu apartamento funcional em Brasília, provocando uma batalha pelo imóvel.
Enquanto a mídia desterrava novas falcatruas apostólicas, a bispa sambava via satélite em Miami, quem sabe pensando em licenciar tornozeleiras apostólicas devidamente estampadas com a frase "Deus é fiel". Outro deputado evangélico deu um show de relevância discursando na Câmara: "Juntos temos uma grande missão: resgatar a imagem da Casa e trazer, juntamente com o Executivo, desenvolvimento e integração social para o povo". Após seu batismo ter saído com destaque na cambaleante mídia evangélica, Carla Perez prepara-se para o Carnaval baiano.
Enquanto isso, figurinhas carimbadas destilavam sua bile acumulada via programa de TV e Internet. Ambos no deserto de Senaar, tentando tornar seus nomes célebres e atingir o céu com suas perorações babélicas. Acumularam milhares de bocejos em resposta...
Decepcionado com tanta inutilidade e irrelevância, me recolhi ao deserto, "lugar da loucura" segundo Thomas Merton. Sozinho com minha pena, cantarolei uma música antiga, porém emblemática. "É tempo de romper a vil escravidão que em vós exercem homens ou idéias... Sereis em Cristo verdadeiramente livres". Assim seja.
16.2.07
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5 comentários:
:: Mundanismo evidente
"Esse boletim mais parece uma tentativa de promoção ecumênica de um mundanismo evidente, não só nas denominações mais também nas doutrinas, pois aqui se dá espaço para a promoção da umbanda, do espiritismo, do catolicismo, da politicalha, das modas que têm afundado as igrejas. Fala-se mais do Lula do que de Cristo" (Enos).
:: Detran
"Genuinamente cristão, o Vidanet se distingue da mediocridade porque anda na contramão" (Sérgio).
As vezes, sou obrigado concordar com o primeiro comentário. O Vidanet as vezes parece um newsletter católico, as vezes de todas as religiões, as vezes algo político. Gosto de ler o Vidanet pela inteligência das frases e das colocações. As vezes tenho a impressão de que o autor é um tipo de gente que pensa que está todo mundo errado dentro da igreja, que não tem ninguém que presta, não existe ninguém agradando a Deus. Grato, André.
Quero deixar meu protesto registrado.
Tem jeito do sr. Pavarini escrever mais neste espaço em vez de nos brindar só com Ctrl C + Ctrl V?? rsss
Querido, vc é o máximo!
Bjokas
Parabéns pelo texto, Pava. Deus presenteou você com um dom que deve ser usado com mais freqüência.
Concordo com o anonimo que comentou. Chega de pregiça e escreva mais, kra!
Abços
Sinto dizer-lhe que voce está redondamente enganado, André. O Pava é uma pessoa doce e que conquista admiradores (bem mais admiriadoras) por onde passa. Pena que não quer se casar comigo! rsss
Psiuuuuuuu! Eh realmente difícil de agradar a todos, mas Sergio P., realmente você estava escondendo o jogo. E tem todo o meu incentivo de escrever de maneira tão original num meio que ainda muitos não entendem e talvez nunca entendam que a auto-crítica é importante para revisar o que acontece no grupo e meditar que as pessoas tem que mudar de rumo ou tem que ser denunciadas mesmos com falsos comportamentos e discursos que não levam a coisa nenhuma, e que vai na onda deste sistemão de denscontrução e é preciso coragem as vezes de assumir os erros, se indireitar e tomar posições acertadas. Só não vê que não quer ou querem tapar o sol com a peneira. Cumpra o seu dever como jornalista e que Deus te abençoe como cristão sem meias "patacas".
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