Na noite de terça, 17, teve início mais um primeiro dia do resto de minha vida. Já passei por situações de risco, mas nunca imaginei presenciar dois acidentes, no mesmo dia, nos dois principais aeroportos do país.
Às 15h da terça eu me encontrava na sala de embarque do Santos Dumont, no Rio, pronto a ingressar no vôo 2432 da Varig, rumo a São Paulo. Súbito, ouvi gritaria junto ao raios X. Imaginei algum passageiro irritado por se ver obrigado a se submeter ao rigor da revista. Eram funcionários da Infraero; berravam para que todos saíssem imediatamente.
Na correria rumo às portas de emergência, senti forte cheiro de queimado, como se um gás prevalecesse sobre o oxigênio. Exceto gritos desesperados de “fogo!” e ordens para sair o quanto antes, naquelas instalações recém-inauguradas nada vi que se parecesse a um sistema de segurança aos usuários. Não soou alarme, painéis eletrônicos não exibiam orientações, pilotos e comissários de bordo pareciam desorientados.
As aeronaves prestes a sair foram evacuadas, passageiros e tripulantes se juntaram à centena de pessoas que, como eu, foram conduzidas para o pátio. Dali vimos a densa fumaça preta emergindo do terceiro andar do prédio novo, ainda em obras. Frente à perspectiva de longo atraso no reembarque, um passageiro exclamou: “Depois de querer que a gente banque o Marquês de Sade, agora querem nos fazer de Joana D’Arc”.
Os bombeiros de plantão eram insuficientes e o reforço levou pelo menos 20 minutos para chegar ao local. Após alguns minutos no pátio, exigiram que saíssemos pela antiga sala de desembarque. As luzes do Santos Dumont foram desligadas; ficamos todos ali no saguão, sem nenhuma informação da Infraero.
Meia hora depois os passageiros, informados pelas empresas de que não havia previsão de reinício dos vôos, começaram a se deslocar para o aeroporto Tom Jobim. Aliviado, embarquei no vôo 3041 da TAM. O comandante preveniu-nos de que, devido ao excesso de tráfego sobre São Paulo, nossa aterrissagem sofreria atraso.
Passava das 18h40 quando, sob forte chuva, tocamos a pista de Congonhas. Fui aguardar minhas malas. Parado junto à esteira, fiquei defronte ao vidro transparente que permite enxergar a pista, sem no entanto escutar qualquer ruído. Estranhei a excessiva demora das bagagens. Havia muita irritação por parte dos passageiros que, como eu, aguardavam.
Os poucos funcionários das empresas aéreas pareciam evitar tamanho assédio por informações. Tensos, guardavam silêncio. Notei que a pista não apresentava nenhum movimento de aeronaves.
Alguém ao meu lado comentou que, na cabeceira da pista, um avião cargueiro da TAM pegava fogo. Minha primeira reação foi supor uma confusão com o princípio de incêndio no Santos Dumont. Expliquei que o incêndio não era ali, era no Rio, e no prédio, não na aeronave.
Após longo tempo, as malas apareceram. Foi então que, ao ter acesso ao saguão de espera de passageiros, me dei conta de que algo muito grave ocorria. Pessoas agitadas, nervosas, aos prantos, insistiam em obter informações sobre o vôo 3054 da TAM, proveniente de Porto Alegre.
Ali dentro pareciam não ter noção do que se passara do lado de fora: a aeronave, que aterrissou logo em seguida à que viajei, ultrapassou a avenida Washington Luis e se chocou contra o prédio da TAM Express, vizinho a um posto de gasolina. Ela poderia ter entrado no prédio do aeroporto ou ter feito explodir o posto de gasolina, atingindo-nos…
Com tudo paralisado, filas de passageiros se acumulavam junto aos check-in; a maioria sem notícia do que ocorrera. Atribuía-se, pois, ao “caos aéreo”. Ouviam-se, a todo momento, comentários desairosos às autoridades públicas.
Ao sair para a calçada do aeroporto, diante dos portões de embarque, fiquei com o coração apertado observando o clarão das chamas do Airbus. Só então me dei conta da gravidade do acidente.
Viaturas do Corpo de Bombeiros e da polícia aglutinavam-se no local. Lembrei do comentário do meu mecânico, seu Geraldo: “Eu, andar de avião? Nunca. Jamais entro naquele tubo revestido de gasolina em combustão. Vou confiar num troço que voa lá em cima, mas a oficina fica aqui embaixo?”
Pensei com meus botões: ainda não é de viagem de avião que tenho medo. É das autoridades responsáveis pela nossa segurança aérea. Tudo indica que elas não conseguem pôr a cabeça no lugar e os pés na terra.
Frei Betto é escritor, autor de “A mosca azul” (Rocco), entre outros livros.
22.7.07
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